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Salve Salve Galera… – Crônicas de Sérgio – 05

Faz tempo que não passa por aqui. Estava com uns corre aqui em casa, mas hoje enquanto não
vem o próximo trem pra eu vender minhas palavras cruzadas, sentei aqui e vou bater esse
papo reto com geral.
Não sei se geral sabe, mas nega Regina esta grávida, e como toda mulher grávida ela precisa
passar pelo medico, consultas exames e tudo mais.
Fui no posto aqui no morro mesmo, chegando lá ficamos sabendo que por conta da operação
policial e da constante troca de tiros, os médicos não estavam atendendo e, que para
conseguir ser atendida, teríamos que descer o morro, tomar um ônibus e um metrô pra
conseguir chegar em outro hospital onde o medico estava atendendo.
Claro que não fui! Voltei pra casa… Eu vou ficar andando com minha nega e meu bebe nessa
guerra declarada que está no Rio? Nunca! Já sofri demais com a historia da mulher grávida que
foi vítima de uma bala e seu bebe faleceu…
Mas passou alguns dias e a nega começou a ter dores, dores e mais dores….
Não teve jeito, peguei um moto táxi pra descer o morro com a nega e depois um UBER até o
hospital.
Cheguei, lá tinha mais gente na recepção do que no Maracanã no jogo do Flamengo. 5 horas
depois nega Regina foi atendida. O medico pediu alguns exames que fizemos lá mesmo e disse:
ela vai ficar internada!
Preparei ela na esperança de que ela iria para um quarto ficar tomando remédios e essas
coisas… que nada, a internação foi no corredor 5 na ala clínico geral.
Isso mesmo, uma grávida com o prontuário de internação, mas não no quarto, pois não tinha
quarto.
No corredor não estava apenas nega Regina, tinha muitas e muitas outras pessoas… Senhora
de 80, 90 anos que a semanas estavam ali.
Sem quarto. Todos internados no corredor.
Aquelas pessoas sobrevivem graças a atenção dos enfermeiros e poucos médicos. Esses, os
enfermeiros, sem salários a meses e mesmo assim indo trabalhar para não negar atendimento
a população.
Muitos dos enfermeiros saiam dali e iam direto para uma fila tentar conseguir uma cesta
básica, única esperança de comida em casa. Outros estavam fugindo, não da polícia, mas da
ordem de despejo por não pagarem o aluguel.
Duas semanas… Duas semanas nega Regina no corredor do hospital e eu sentado em uma
cadeira de plástico acompanhando ela.
Graças a Deus ela teve alta e voltamos para casa.

Chegando em casa, fui assistir TV e vejo a notícia que em um tal apartamento encontraram
mais de 51 milhões de reais em dinheiro vivo.
Mano, eu não consigo nem imaginar o que seja 1 milhão de reais em notas, imagina 51…
Quando vi aquela noticia, lembrei dos enfermeiros sem salários, lembrei do povo aqui do
morro sem médico por conta da insegurança
Pensei em quantos meses de salário esse dinheiro todo poderia pagar, em quantos hospitais
que poderiam ser construídos, em quantos policiais a mais na rua.
Isso eu apenas pensei. Pensamentos vagos e incertos, pois o que é certo que essa não é a
primeira vez que encontram malas de dinheiro no Brasil e, talvez como das outras vezes não
vai dar em nada, porque aqui brincamos de acreditar que a justiça é imparcial perante todos.
Por falar em mala, vou pegar a minha…
Na minha não tem 51 milhões. Tem 10 balas, 40 cruzadinhas e dois vales transportes.
O trem chegou…
Depois desenrolamos mais!

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EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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