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#Opinião: Jovens negros e o suicídio

Como o racismo pode contribuir para doenças como a depressão e ansiedade.

Texto: Rick Trindrade

O corpo negro é o alvo preferencial do Estado. E quando não morremos com o corpo perfurado por balas, o racismo que sofremos pode nos causar depressão e ansiedade, levando muitos de nós ao suicídio.

Pessoas pretas lidam com o racismo desde a infância, sendo a escola um dos ambientes mais tóxicos para nós. Imagine crescer se achando insuficiente? Achando que os traços que desenham seu rosto são feios demais? Imagina querer ter a pele clara, porque para muitos a pele escura não é bonita? Como  essas más experiências não afetariam a saúde física, mental e emocional de uma pessoa preta? Estudos apontam que o preconceito racial está ligado a doenças cardiovasculares, assim como é a provável causa da depressão, ansiedade e outros problemas de saúde em pessoas negras.

Recentemente, numa rede social, homens negros e mulheres negras relataram como foram suas experiências no período das festas juninas na escola. E o que havia em comum em todas as histórias era: a rejeição. Em muitos dos relatos, eles e elas disseram que nunca foram escolhidos ou escolhidas pelos colegas brancos como par para dançar.

Óbvio que esse é só um dos momentos explícitos de racismo que sofremos durante o período escolar. Mas eles são muitos: ouvir que nossos cabelos são feios e sujos, que fedemos, estar na lista de feios e feias da sala (geralmente sempre os primeiros). E esses episódios vão nos trazendo traumas ao longo da vida, muitos de nós começam a se isolar socialmente, começam a rejeitar seus traços, seu tom de pele, não nos achamos inteligentes o suficiente, capazes o suficiente.

De modo geral, a sociedade ainda trata a depressão como uma “frescura” e enxerga o racismo como “mimimi”. A junção desse preconceito e falta de informação a respeito desses assuntos acaba prejudicando ainda mais a saúde mental de uma pessoa preta. Assumir para si mesmo e para os outros que tem uma doença ainda não respeitada como deveria ser, e que essa doença é resultado do racismo que sofreu, não deve ser tão simples assim. Acredito que por isso muitos de nós optaram – e ainda optam – pelo silêncio.

Mundialmente, há um suicídio a cada 40 segundos e uma tentativa a cada três segundos. Já no Brasil, a cada 45 minutos uma pessoa tira a própria vida. O suicídio é influenciado por inúmeros fatores e tem a depressão como um fator determinante para que jovens e adolescentes tentem ou consigam se matar.

Reprodução: Nappy

O racismo, as desigualdades étnico-raciais e o racismo institucional são reconhecidos pela Política Nacional de Saúde Integral da População Negra como determinantes sociais das condições de saúde. Jovens, e principalmente jovens negros, pertencem ao grupo vulnerável mais afetado pelo suicídio. O Ministério da Saúde afirma que na faixa etária entre 10 e 29 anos, o risco foi 45% maior entre jovens declarados pretos ou pardos se comparado aos jovens brancos, isso no ano de 2016. Já entre jovens e adolescentes negros do sexo masculino, a chance de suicídio é 50% maior do que entre brancos na mesma faixa etária. De 2012 a 2016, a taxa de mortalidade por suicídio entre jovens e adolescentes negros aumentou 12%, já entre os jovens brancos com a mesma idade permaneceu estável. Esses e outros dados mais aprofundados estão na cartilha Óbitos por Suicídio entre Adolescentes e Jovens Negros.

É com dados e estudos que conseguimos entender porque o suicídio atinge mais jovens negros do que os brancos. Somos subestimados, nossos traços são vistos como feios, por muito tempo não nos enxergamos nas novelas, nos programas de TV, nas propagandas. Desde a infância somos obrigados a lidar com o racismo disfarçado de “piada”. E diante desse cotidiano racista, construímos nossa identidade baseada na certeza de que somos inferiores, que não nos encaixamos nesse mundo que as pessoas brancas, sempre que possível, fazem questão de dizer que é delas.

O suicídio é um assunto estigmatizado em nossa sociedade, e isso pode ser ainda mais potencializado quando há um envolvimento com questões raciais. A Organização Mundial da Saúde (OMS) lançou em 2000 o manual Prevenção do suicídio: Um manual para Profissionais da mídia. O intuito dele é ressaltar o impacto que a cobertura midiática pode ter nos suicídios, recomendar como deve ser a abordagem do suicídio em circunstâncias gerais ou específicas, indicar fontes que são confiáveis e mostrar o que deve ser evitado nas coberturas de suicídios. Ainda de acordo com o manual, de uma forma geral, é possível afirmar que existem evidências para sinalizar que algumas formas de noticiário e coberturas televisivas de suicídios estão associadas a um excesso de suicídios estatisticamente significativo, e que o impacto parece ser maior entre os jovens.

Mas a verdade é que pessoas negras são tratadas de forma diferente de pessoas brancas. E isso acontece em coisas “pequenas” do dia a dia, como alguém se recusar a sentar ao nosso lado no transporte público, sermos seguidos por seguranças nas lojas, e até em coisas mais sérias, como acusações sem provas, e a abordagem policial que muitas vezes acaba em desastre. Achar que o racismo é algo pontual, que determinada ocasião não foi um ato de racismo, ou que a pessoa negra que está denunciando está equivocada e cometendo exagero, todas essas coisas contribuem para que pessoas negras cada vez mais escolham o silêncio e não procurem tratamento adequado.

Como escrevi no começo desse artigo, o Estado quer nos ver doentes, quer nos matar de todas as formas possíveis. Há uma necessidade urgente de políticas públicas que foquem na saúde da população negra. E você pessoa negra, que leu até aqui, não hesite em falar das suas dores, dos seus problemas, tenha uma rede de afeto, e o mais importante, procure ajuda médica, há profissionais negros que você pode recorrer e que muito provavelmente vão te ajudar de uma melhor forma, muitos deles atendem a preços populares. A ajuda médica é indispensável.  

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EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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