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#ArtigoDeOpinião: Marielle, um ano: nós nunca tivemos tanta coragem

Como diz o rapper Rico Dalasam, “brilhar é resistir nesse campo de fardas”. (Foto: Bárbara Dias/Fotoguerrilha)

Texto: Gabi Coelho e Marcelo David Macedo

A imagem de destaque diz muito sobre quem são as pessoas envolvidas na execução política de Marielle Franco e Anderson Gomes. Na última terça-feira (12), a Polícia Civil prendeu o PM reformado Ronnie Lessa (autor dos disparos) e o PM expulso da corporação Élcio Vieira (quem dirigia o carro), dois milicianos responsáveis pelo assassinato da ex-vereadora do Rio de Janeiro e seu motorista.

Olhem para a foto. Percebam a grandeza dessa mulher e sua ancestralidade. Agora olhem em volta dela. Nesses fardados sem postura e sem orgulho está o retrato de uma instituição corrupta, violenta, covarde, truculenta e assassina. Sim, assassina porque agora podemos dizer –  pois não existe milícia sem Estado – que Marielle Franco foi executada por um integrante da gloriosa Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro. As fardas que a cercavam nessa foto foram responsáveis por sua morte, mas não pelo seu fim, porque Marielle era uma força da natureza.

Força da natureza porque ela morreu no mesmo dia em que completou-se 104 anos do nascimento de Carolina Maria de Jesus, a catadora de lixo que se tornou uma das mais importantes escritoras da história do Brasil. Também mulher preta. Força da natureza porque uma noite de céu aberto e cheio de estrelas deu lugar a uma tempestade forte, doída e inesperada, assim como a morte dela.

 

Marielle fala em evento realizado na Casa das Pretas, momentos antes de sua execução. (Foto: Reprodução/Facebook

Muitas pessoas já imaginavam que havia esse envolvimento da milícia, só não podiam afirmar. Agora podem. Podem porque muito se falou desde 14 de março de 2018 até hoje. Foi “assalto”. Foi “o tráfico”. “Tem que ver isso aí”. Foi “gente dela mesmo”. Nós, gente dela mesmo, sem aspas, jamais faríamos isso – a prisão de um dos acusados de terem matado Marielle e Anderson foi feita na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio e considerada área nobre do cidade.

O mais curioso, mas que não surpreende tanto quanto deveria, é que o condomínio luxuoso no qual Lessa foi preso é também onde se encontra a casa do presidente da República Jair Bolsonaro. Que inclusive, ao se manifestar sobre o fato, preferiu não entrar em detalhes e reforçou que não conhecia Marielle, e que soube de sua existência e atuação na política somente após sua morte. QUEM, DO RIO DE JANEIRO, NÃO CONHECIA MARIELLE FRANCO, UMAS DAS VEREADORAS MAIS VOTADAS EM 2016? Impossível, senhor presidente.

Marielle, a luz que todos conheciam – embora alguns finjam dizendo que não. (Foto: Divulgação/PSOL

Foram 13 disparos contra Marielle e Anderson, mas suas vozes ecoam sobre nós

Nada apagará o sorriso e os resultados da trajetória da Mari. Absolutamente nada. A luta pelas mulheres negras, pelos favelados e periféricos, pela população LGBT e por todos que são considerados minorias, mas são a maioria em nosso país, era o que movia a defensora dos Direitos Humanos. Nascida e criada no Complexo da Maré, Marielle se tornou um dos melhores e mais importantes “projetos” de favela. Pessoas se inspiram, se fortalecem e se renovam através daquilo que ela desenvolveu ao longo dos anos enquanto militante e vereadora.

Suas sementes estão por todos os lados, como sua mãe, Marinete, sua irmã, Anielle e sua filha, Luyara. Mulheres pretas e fortes que seguem lutando para que o crime seja elucidado por completo e também para que a luta de Marielle siga, cada vez mais forte, em cada favela e espaço popular da cidade, do estado e do país. Além disso, as três, como família de Marielle, percorrem o Brasil e o mundo denunciando a violência que ela sofreu, e também a demora do Estado brasileiro em fornecer uma resposta completa sobre o caso. A inspiração delas vem da garra de Marielle, cujo carisma e empoderamento deixaram marcas nelas, nos becos, vielas e no asfalto. Pois sim, ela vive em nós.

Marielle e a favela: partes de uma potência só. (Foto: Reprodução/Internet)

Sonhos e vidas interrompidas por milicianos

Tentaram silenciar dois favelados que estavam em busca de uma vida melhor para os seus. Anderson, do Complexo do Alemão, tinha o pão de cada dia pra levar pra casa. Marielle tinha em sua essência à vontade de transformar a realidade do país em que vivia. Ambos estavam na luta naquela noite. Foram covardemente executados. Os responsáveis pelo crime só não imaginavam que o pé na porta estava pronto. Ativistas chegaram com tudo nas cobranças por uma resposta, e assim permanecem. Apesar das dores causadas, a morte de Marielle reacendeu a vontade de lutar, reforçou a importância do povo preto estar cada vez mais unido, dos favelados e periféricos ocuparem novos espaços e de mulheres negras fazerem a revolução.

Hoje sabemos quem apertou o gatilho, mas isso não trouxe nenhum alívio. Isso é pouco diante de tudo que ainda queremos saber. Quem mandou matar Marielle? Qual era o intuito? São tantos os questionamentos. Faltam muitas respostas. Ao mandante do crime ou aos mandantes, aqui vai um recado: nós nunca tivemos tanta coragem. Marielle ganhou os céus e também o planeta. Ontem, 14 de março de 2019, após um ano, fomos às ruas para que vejam que nossos gritos, ainda de dor, são também de luta.

Gritos que ecoam pelo mundo inteiro.

Marielle, PRESENTE. Anderson, PRESENTE.

A Cinelândia, praça onde está situada a Câmara Municipal do Rio, onde Marielle trabalhava, ficou lotada em ato realizado nessa quinta-feira (14): ela está viva. (Foto: Dani Orofino/CHAMA)

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EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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