Pesquisar
Close this search box.
Pesquisar
Close this search box.

Era assim em 2008. O baile de favela virou festa na favela – #Opinião

A semana começava sempre naquele pique. Os correrias na atividade e os de batalha no batente. Em tempos de baile lotadão, forró agarradinho e churras na laje. Logo pesávamos que final de semana tivesse mais. Pois música alta não era problema.

O baile era o bicho. Haviam todas as tribos, e rolava de tudo, tudo mesmo. E não tinha aporrinhação de ninguém, sem estado e polícia para perturbar. Obviamente sabíamos quais eram as regras locais, curti, zoar, mas sem perder a linha.

Sempre quando chegava as sextas-feiras, o astral mudava e o brilho no sorriso daquelas pessoas nos becos, mercadinhos e biroscas exalavam por algum motivo de força maior. Pois para alguns, eram dias merecidos de descanso daquelas mãos calejadas e para outros dias difíceis longe da família.

Lembro-me das caixas e mais caixas de som e cerveja que eram repassadas como obra a pleno vapor igualmente tijolo de mão e mão na construção. Parecia o Brasil que tinha dado certo. Apesar de todas as dificuldades e problemas enfrentados. Mas enfim, seguimos o baile. As horas passavam, e a noite vinha para lacrar e acalantar o dia cansativo.

Os mercadinhos enchiam para um final de semana longo. Várias carnes e linguiças para assar. Tudo no ponto. As pessoas chegando da batalha, as crianças chegando da escola. E a melhor parte ainda estava por vir, para sacramentar o fim de sexta. Chegávamos em casa, jantávamos e logo separava aquela roupa para dá aquele famigerado rolê maneiro na favela com os amigos, o trânsito engarfado, uma barulheira sinistra na rua, motos, kombis e Caminhões. Tudo movimentado. Era uma mistura nessa encruzilhada quase divinal.

A partir das 22h, as caixonas de som eram ligadas na localidade do largo. Um batidão bolado tinha de tudo: “proibidão”, forró, atabacada, montagens brabas mas esse horário ainda era morno porque tinha gente chegando e também rolava os encontros no morrão. Naquele pique bolado na vontade de embrazar, passava na seresta na parte de cima morro, no baile black no 14, nos bares para fortalecer os irmãos e irmãs comerciantes.

A partir das 2h, o baile no largo enchia geral brotava, e o maior problema nesse momento era andar no baile lotadão, no entanto tem jeito para tudo pois enquanto eles pensavam em VLT, os bailes já tinham inventando os trenzinhos, melhor transporte urbano e patrimônio histórico dos bailes de favela. Sem contar com os quebra, que tinham um gingado exusiaco, brilhantes, fustigados por uma batida sobre-humana, eram corpos suados em transe, as dancinhas eram o bicho. Sentia a liberdade ressignificada, cantada nos poros corporais de cada pingo de suor daquelas meninas e meninos. Não eram todos que curtiam essa barulheira no final de semana, no entanto era inevitável. Rolava de tudo, para todos os gostos. No entanto tinha o pessoal caseiro também.

A batida ficava sob o comando da DJ, que utilizava de diversas exaltações aos atividades que ali estavam confirmando presença. Sobre o alçapão do baile, imperava diversas relações de poder, porém não entrarei nesse tópico.

O fluxo estava o bicho, pois os moradores ali estavam tacados de insurgência e resistência. E assim o baile rolava até de manhã, quem bebeu tranquilo voltava para casa sem deixar nada para trás, porém quem bebeu um pouco mais, até dormia por ali mesmo e quem não bebeu, curtiu, quebrou e voltou para casa por que sábado ainda era dia. Mas era tranquilo ninguém mexia em nada de ninguém.

Tudo isso era um tapa bem dado na cara das elites intelectuais que fomentaram essa cordialidade à brasileira e essa falsa tal “democracia racial”. Havia sim varejistas de drogas, subgêneros de funk que eles não aceitam, tinha nordestino, estudantes, mulheres vestindo o que elas quiserem, tinha de tudo. Diante dessa incumbência ofertada, argumentam sobre um tal discurso de segurança pública, lapidado em uma metáfora de guerra inexistente cujo tentam criminalizar, gentrificar e militarizar esses espaços etimologicamente construídos, pois quando essa política proibicionista, higienizadora, denominada de UPP sobe com a violência do asfalto para o morro e as favelas, dá em mortes, inúmeras mortes, pois é verdadeiramente uma guerra a miséria.

Era esse ritmo em 2008, que era de verdade.

 

Compartilhe este post com seus amigos

Facebook
Twitter
LinkedIn
Telegram
WhatsApp

EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

Contato:
[email protected]