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Precisamos descolonizar nossa mente

Quando perguntado sobre sentir orgulho da favela onde vive, um amigo meu respondeu que não!

Assim, breve e curto. Sua justificativa para tal resposta, foi a comparação do modo de vida na favela e no asfalto. Afinal de contas, os direitos da favelas são os mesmos daqueles que moram no asfalto?  

Alguns dos maiores problemas nas comunidades, em sua grande maioria, são de serviços básicos como: saneamento básico, serviços sociais e políticas públicas, fatores estes que contribuem para a segregação entre a favela e o asfalto. Mas morar na favela não é motivo para não sentir orgulho dela. De fato temos que sentir orgulho do que a favela construiu em questões de resistência, convivência e sobrevivência, levando em conta como conseguimos resistir ao abandono até os dias de hoje. Quando concordo, em partes, com a expressão do meu amigo, de não sentir orgulho de morar na favela, entendi no sentido de que não devemos mesmo ter orgulho de morar em um local abandonado em serviços e direitos, ao contrário de outros locais do estado. Um local onde pessoas morrem quase que diariamente vítimas da violência, fome e abandono do Estado.

Favela da Skol – Ribeirinhos vivem próximo ao esgoto ao céu aberto Foto: Betinho Casas Novas / Jornal Voz das Comunidades

Por isso, temos que mudar este discurso e descolonizar nossa mente. Ou integra a favela com a cidade – que é um direito – começando não somente com a instituição policial – que é o que temos visto desde então – mas incluindo a educação, serviços públicos, políticas públicas e iniciativas privadas entrando junto com o estado. Além de investimentos na classe jovem, ouvindo a população das comunidades, não ao contrário. Isso de fato transforma o território. Sem tudo isso, sentir orgulho de morar na favela, neste caso, é o mesmo que os escravos dizerem que sentiam orgulho de viverem na senzala…   Devemos sentir orgulho do que a favela construiu durante todos esses tempo. Acabamos incorporando esse discurso daqueles que lançaram nossos ancestrais nas comunidades e que querem nos manter aqui. 

Por que temos gari comunitário? Por que temos carteiro comunitário? Não queremos isso! Queremos que o mesmo carteiro que entrega e conhece os endereços do asfalto, também venha entregar nas ruas das comunidades. Queremos que os garis, pagos com os nossos impostos, venham fazer serviços de limpeza na comunidade, do mesmo jeito que faz em outras partes da cidade. Isso acaba contribuindo muito para a legitimação do território como cidade. Não de um espaço segregado e separado das demais localidades do estado. 

Caveirão estacionado em praça pública. Foto: Betinho Casas Novas / Jornal Voz das Comunidades

A vitimização é um dos maiores fatores para a segregação das favelas. Vivemos sim, de fato, em um território na grande maioria hostil. Mas contribuímos para que cada vez mais o território se torne assim. Como? Mantendo o discurso de favela violenta e abandonada. Sem encontrarmos outros meios para mudar essa realidade, vemos cada vez mais as pessoas levando o status de “violência” da favela pelo mundo. Digamos que uma “romantização” da violência. Isso contribui para uma vitimização, sem pensar em contribuir, para a mudança do território, não só denunciar a violência. É pensar e encontrar meios para mudar a realidade em que a favela vive, não se acomodar na realidade existente. As denúncias de fato são importantes. Falar da favela também é um fator, mas não deve ser o único a ser usado. Só falar dela não vai mudar e nem surtir efeito algum, só contribuindo para o discurso de favela violenta, marginalizada e inacessível, mas por discriminar essa teoria com denúncias sem ações.

Sabe aquela instituição mundialmente famosa que dizem “lutar” pela fome na áfrica? Qual o método de arrecadação de fundos que eles usam? Na grande maioria, são imagens de crianças negras, desnutridas e com caras de “coitadas”. É o método infalível de fazer você sentir pena e oferecer sua contribuição. Mas isso, por outro lado, não muda a realidade daquele lugar, nem a daquela criança. Só contribui, cada vez mais em seus pensamentos, que a África é um lugar sombrio, miserável e faminta. É o mesmo que nas favelas. Mas mesmo assim, devemos sentir orgulho do que favela nos faz criar diariamente. A favela é potência, é resistência e podemos mostrar que temos muito mais a oferecer.

Geralmente os lugares violentos e com diversos tipos de dificuldades obrigam as pessoas a formarem grupos mais unidos e terem um sentimento de amizade maior pelo local onde vivem. O que dá sentido aos lugares são as pessoas que habitam nele. Se há um grupo unido, as pessoas que moram ali, e fazem parte desse grupo, são felizes, independente dos problemas.

 

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EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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