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As janelas quebradas do Rio de Janeiro – #Opinião

Recentemente li alguns artigos que tratavam sobre o desenvolvimento das relações sociais e natureza humana em relação há alguns fatos recorrentes de nosso cotidiano nas grandes cidades. Ao ler esses artigos eu pude conhecer duas teorias que me fizeram refletir sobre o atual estado do Rio de Janeiro: A teoria das janelas quebradas e o efeito manada.

Sobre a teoria das janelas quebradas temos como exemplo uma experiência de psicologia social realizada pela Universidade de Stanford (EUA), no final da década de 60, que consistia em deixar dois veículos idênticos abandonados no estado de Nova York, sendo um colocado em um bairro pobre e outro em uma área nobre para verificar o que aconteceria com eles. O carro que estava na periferia foi rapidamente depredado e em poucas horas ele foi roubado e vandalizado. Já o carro que estava na área nobre após uma semana ficou completamente intacto. Foi aí que os pesquisadores quebraram a janela desse carro para ver o que ocorreria. Logo depois tiveram como resultado a mesma situação presenciada com o outro veículo no bairro pobre, ou seja, o carro rapidamente passou a ser objeto de furto e depredação.

Pôde-se concluir então que esse processo de deterioração e vandalismo não se tratava especificamente da condição de pobreza da localidade e sim do comportamento da psicologia humana e das relações dos indivíduos na sociedade. O fato é que o vidro quebrado transmite uma ideia de deterioração, abandono e despreocupação, quebrando assim certos códigos de convivência. Caso o carro seja depredado e nada ocorra, o senso de impunidade promoverá uma ideia de “vale tudo” que será reafirmada e fortalecida cada vez que novas depredações ocorram sem retaliações. Desse modo, uma simples janela quebrada desencadeou um processo de total destruição dos automóveis.

Os pesquisadores então tiveram como desdobramento a conclusão que um comportamento antissocial nesse sentido, onde há a existência de impunidade em relação a deterioração das regras de convivência estabelecidas pela nossa sociedade, pode dar origem a vários delitos, significando que a desordem gera mais desordem. Sendo assim, tendo como pressuposto que qualquer ato desordeiro, por mais que pareça insignificante, deva ser reprimido para não desencadear esse processo de reafirmação da impunidade, o prefeito de Nova York, em meados da década de 80, aplicou essa teoria na política de segurança pública da cidade e começou a reprimir as pequenas transgressões que ocorriam no metrô (lixo jogado no chão das estações, alcoolismo entre o público, evasões ao pagamento da passagem, pequenos roubos e desordens) em uma “Política Criminal de Tolerância Zero”. Tendo resultados positivos rápidos e claros, tornando o metrô mais seguro, o prefeito ampliou essa política para toda a cidade e teve como efeito a enorme redução de todos os índices criminais de Nova York naquele período.

Já o efeito manada, que não foge muito do conceito tratado anteriormente, é um termo usado para descrever as ocasiões onde as pessoas que estão em grupo acabam reagindo da mesma maneira, mesmo que não tenha alguma direção planejada nem explicação do porque aquilo está ocorrendo e da real necessidade de reagir da mesma forma que os outros. Enfim… Impunidade, pequenos, médios e grandes delitos, quebra dos comportamentos aceitos para o convívio pacífico em sociedade, um grande grupo de pessoas agindo como se não houvesse lei nem repressão por parte das autoridades, as próprias autoridades não respeitando o povo como deveria ser sua obrigação e princípio mais básico, e por aí vai… Te lembra algum lugar específico? Infelizmente a teoria das janelas quebradas parece representar toda nossa cidade. Há anos vivemos em um ciclo vicioso, ou uma espécie de bola de neve que a cada dia nos mostra fatos que se superam cada vez mais no sentido negativo. É claro que o Rio de Janeiro também tem coisa boa, não há só problemas por aqui, mas no quesito da segurança pública a coisa está feia.

Convivemos com uma guerra urbana que acaba sendo naturalizada pelos cidadãos que já se acostumaram com o absurdo. Além da guerra urbana entre polícia e tráfico, facção contra facção, milícia contra facção e qualquer outro tipo de disputa (armada) sobre os pontos de comércio de drogas que vemos por aqui, ainda temos a questão dos roubos de tudo que é tipo crescendo cada vez mais. Assistir ao noticiário pode se tornar um exercício de muito sangue frio, calma e superação para quem de fato se importa com a melhoria de nossa cidade e estado. É impossível assistir qualquer telejornal sem ficar revoltado com algum fato. A cada dia são sempre as mesmas notícias com as mesmas tragédias do cotidiano que não parece ter fim. Só fica o nosso desejo por dias melhores e pela construção de uma cidade que seja de fato maravilhosa para todos, principalmente para quem mora aqui.

Saindo um pouco desse desabafo e voltando para as teorias citadas, talvez seja possível ter um start nessa melhoria que todos desejamos caso o senso de impunidade geral que presenciamos no Rio de Janeiro seja reduzido. As autoridades públicas precisam demostrar que os atos contrários a lei serão punidos ou, pelo menos, repreendidos. Talvez assim possa surgir um ciclo vicioso reverso de respeitos às regras começando pelos pequenos atos de respeito ao próximo e ao patrimônio alheio. Não sou especialista em segurança pública, mas, me coloco aqui como cidadão e me permito pensar, refletir, imaginar alguma solução ou mudança de abordagem em relação ao que estamos acostumados. Devemos começar por algum lugar e propor algumas mudanças que possam modificar algo. Acredito que a janela quebrada também deva ter um efeito reverso. Os pequenos atos de cobrança e demonstração de que estamos nos importando com o que ocorre na cidade podem gerar um efeito manada de pessoas que irão se unir e fazer um barulho suficiente para o início das mudanças que precisamos para ontem. Mostrar para os governantes que seus atos que vão contra ao interesse da sociedade também não ficarão impunes pode gerar esse efeito de respeito as regras e princípios da administração pública. Quem sabe? O certo é que precisamos começar por algum lugar, a atual política de segurança pública já se tornou insustentável faz um bom tempo.

Esta coluna é de responsabilidade de seus autores e nenhuma opinião se refere à deste jornal.

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EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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