Pesquisar
Close this search box.
Pesquisar
Close this search box.

As Olimpíadas deixaram uma ressaca bem maior que o esperado

Tem um macaco na sala e um tigre no banheiro. Uma das pessoas está sem um dedo enquanto o outro cuida de um bebê que não faz ideia de como ele foi parar ali. É de manhã e tem bebida pra todo lado. Um dos amigos está no telhado do prédio, enquanto um outro luta pela vida após adquirir dívidas com traficantes. Poderia ser um cenário de um filme de muito mal gosto, mas desconfio que é a descrição perfeita da cidade do Rio de Janeiro se ela desse uma festa fechada.

Só que a festa foi aberta.

Tá, antes de mais nada eu já vou admitindo aqui, gente: andei sim de VLT e achei maneirão. Podem me julgar, vamos lá, mas aquele bichão silencioso rasgando a metrópole imperial no meio cheio de gente branca e guardinha é o maior estilo.

O caô todo é que essa parada, assim como outras, teve um preço. Jogos Olímpicos e Copa do Mundo foram ótimos pra quem vive na Suécia e veio dar um rolê nas terras tupiniquins pra tomar cerveja de qualidade duvidosa, pegar DST e ir embora portando alguma doença tropical estranha. Quem vive aqui no Errejota, que já tem anticorpos, que não dá mole com o celular na mão, que não confia na PM (sorry, mas é verdade), que pega metrô lotado e acha normal, po, essa galera quem vai pagar o preço de verdade.

Maracanã tá zuado. Um dos estádios mais importantes do mundo, o tempo do futebol, agora tá num jogo de empurra danado. Ninguém quer assumir a criança. Fizeram obras, removeram lugares, gourmetizaram o rolê e agora não há quem pague a conta.

Ok, você que não é do Rio talvez não esteja entendendo o que quero dizer. Vou ser bem claro:

GASTARAM O DINHEIRO TODO E AGORA A GENTE TÁ DURO.

Não tem grana nem pra pagar os puliça. Desse nível. Até eu tomei um calote do Governo do Estado, que me deve a grana do edital de carnaval do ano passado – eu e mais uma galera, inclusive. Agora estamos vivendo um efeito cascata, e as diferenças sociais estão ficando cada vez mais agudas. De rolê em Copacabana eu vejo um PM a cada dois quarteirões, enquanto na Baixada eu vejo uma patrulhinha pra cada dois bairros. Ou três. Isso quando tem.

Sem policiamento, virou consenso que a pista ficou salgada. E não é só isso: a educação tá minguando, a UERJ tá passando um aperto e desde dezembro existem algumas iniciativas para arrecadar doações para os servidores do Estado. Peraí, deixa eu botar em negrito: doações para servidores do Estado. “Faz concurso que é uma grana certa”, meus pais diziam.

Tudo certo pra dar errado.

Pronto pra jogar sujo, o Prefeito do Rio já lançou até um “cultura é troca, o artista trabalha pra ter reconhecimento” sob vaias do setor cultural, que clama por editais, fomento e o que mais for possível pra levantar uma grana. A Light não aceita reconhecimento na hora de pagar o boleto. Nem a Cedae.

O Rio de Janeiro, senhoras e senhores, é o novo Mclovin. Descolou uma identidade falsa, se passou por gente grande e agora tá metido em um monte de encrencas.

E até agora ninguém sabe de quem é o tigre no banheiro.

———————

Esta coluna é de responsabilidade de seus atores e nenhuma opinião se refere à deste jornal.

Compartilhe este post com seus amigos

Facebook
Twitter
LinkedIn
Telegram
WhatsApp

EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

Contato:
[email protected]