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Legalização do aborto – #Opinião

Escrito por: Thamyra Thâmara – #OPINIÃO

Numa conversa no ônibus duas mulheres conversavam sobre serem totalmente contra a legalização do aborto: “Como é que pode nos dias atuais a mulher engravidar sem querer?”, “Ela precisa arcar com a consequência da sua irresponsabilidade” “Eu não sou a favor da morte, sou a favor da vida”, e outros comentários do tipo iam sendo pontuados.

Com o desenrolar da conversa uma amiga perguntou a outra: “Se você fosse violentada tiraria?”. Ela respondeu: “Claro, com certeza! E você? Abortaria o filho fruto de um estupro?”, “SIM”. Sem ter que pensar muito aquelas duas mulheres que eram contra o aborto e a favor da vida disseram em alto e bom som que abortariam em caso de sofrerem uma violência sexual. O que estava em jogo ali não era a vida em si, se a vida do feto era tão importante como a da mãe porque também não deveria ser poupado nos casos de estupro? Aos poucos fui percebendo que a questão ali era outra, era moral do tipo: “Fez agora aguente as consequências” “Transou sem camisinha? Antes do casamento? Agora aguenta!”.

As mulheres que optavam pelo aborto eram vistas como vadias, imorais e inconsequentes “a par do momento que for legalizado vão querer abortar toda hora”. A questão não era a vida do embrião, apesar de esse ser um dos valores irrefutáveis, quem poderia dizer não ser a favor da vida? Mas a mesma vida que defendiam em caso de abordo era a mesma vida que seriam capaz de abortar em caso de estupro, afinal “eu não fiz nada para aquilo acontecer, não é minha culpa posso tirar”.

É claro que a mulher violentada não é culpada e a lei brasileira já aceita interrupção nesse caso, a questão aqui não é essa, o que estou querendo levantar é que na verdade ser contra a legalização do aborto não é necessariamente ser a favor da vida, é, em muitos casos, uma questão estritamente moral e sem muita informação.

Algumas questões:

1. “Com a legalização do aborto vai aumentar o numero de pessoas que abortam”

Em países onde o aborto não é crime como Holanda, Espanha, Alemanha e Uruguai foi observado uma taxa muito baixa de mortalidade e uma queda no número de interrupções, porque passa a existir uma política de planejamento reprodutivo efetiva. O aborto por mais que seja feito em uma clínica ou hospital com segurança e higiene é um ‘evento’ traumático. Ninguém quer sair por aí abortando como se fosse andar de bicicleta. Ninguém vai decidir abortar porque é legalizado e nem decidir não abortar porque não é legalizado. O que leva uma mulher a não querer seguir com a gravidez são inúmeros fatores desde o medo, a vergonha, a falta de condições financeiras, o desespero, a falta de apoio paterno e da família, não se sentir preparada, entre outros.

2. “Aborto deve ser uma questão de saúde pública e não penal

No Brasil, aborto é crime previsto pelo artigo 124 do Código Penal com pena até 4 anos de prisão. Entretanto, a lei proibida não tem impedido que as mulheres abortem mas tem se mostrado muito eficaz para matar essa mulheres, em sua maioria, mulheres pobres e negras que não tem acesso as clínicas privadas e acabam interrompendo a gravidez em casa com métodos caseiros. Segundo os dados da Pesquisa Nacional do Aborto (PNA), por ano acontece um milhão de abortos clandestinos no Brasil e a cada dois dias, uma brasileira (pobre) morre por aborto inseguro.

3. ‘‘Se homens pudessem parir o aborto já tinha sido legalizado’’

Cadê o pai? Em muitos casos em que a mulher decide não prosseguir com a gravidez é por não ter apoio paterno para prosseguir com a mesma. Onde estão os homens que depois que recebem a notícia que a mulher esta grávida vão embora ou desaparecem? Porque os homens podem decidir se vão querer aquela gravidez, ou não, sem serem criminalizados? A responsabilidade é do homem e da mulher e deve ser compartilhada de forma mútua.

4. Como seria a legalização do aborto?

No Uruguai, o aborto pode ser feito por qualquer movo até a 12a semana de gestação, até a 14a semana de gestação em caso de estupro, e a qualquer momento em caso de má-formação do feto ou risco de vida para a mãe. Há acompanhamento médico feito por uma equipe formada por um ginecologista, um psicólogo e um assistente social, e cinco dias de reflexão para que a mãe tenha certeza da decisão, existem casos das mulheres desistirem depois do acompanhamento psicológico. O país descriminalizou o aborto em outubro de 2012, e tem experimentado quedas vertiginosas tanto no número de mortes maternas quanto no número de abortos realizados. Segundo números apresentados pelo governo, entre dezembro de 2012 e maio de 2013, não foi registrada nenhuma morte materna por consequência de aborto e o número de interrupções de gravidez passou de 33 mil por ano para 4 mil. Isso porque, junto da descriminalização, o governo implementou políticas públicas de educação sexual e reprodutiva, planejamento familiar e uso de métodos anticoncepcionais, assim como serviços de atendimento integral de saúde sexual e reprodutiva. Por último, para ser a favor da legalização do aborto, não precisa ser a favor do aborto, ou seja, se o aborto for legalizado no Brasil você não vai precisar abortar.

Thamyra Thâmara é jornalista, nascida em Brasília, mora no Alemão há 5 anos, Mestra em cultura e territorialidade pela UFF – Universidade Federal Fluminense.

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EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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