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Mãe, preta, favelada e vereadora: Marielle Franco

Eleita com mais de 46 mil votos, a socióloga de 37 anos fala sobre os desafios do seu primeiro mandato

Nascida e criada no Complexo da Maré, na zona norte do Rio, Marielle Franco foi mãe aos 19 anos. Aos 37 foi eleita vereadora pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), depois de ter passado pelo Partido dos Trabalhadores (PT), anos antes. Entre a maternidade e a vida legislativa, Marielle se formou em sociologia pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-Rio). “O curso tinha duração de quatro anos, mas eu me formei em cinco, com criança pequena e sempre trabalhando”. Também fez pós-graduação na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e mestrado na Universidade Federal Fluminense (UFF), em administração sobre política de segurança pública e avaliação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP).

Eleita com mais de 46 mil votos – apenas 10% deles de favelas -, a vereadora recebeu a equipe de reportagem do Jornal Voz das Comunidades vestida como costuma aparecer publicamente, com cores vivas. No dia, um roxo. Na orelha, um par de brincos de flor. Expressiva, Marielle avalia positivamente os 150 primeiros dias de mandato. “Já apresentamos propostas importantes e já nos posicionamos, para dentro e fora da casa, como oposição responsável”.

Leitora da nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, Marielle vira e mexe bate a mão com os anéis na mesa, fazendo barulho, para ser mais enfática. Acredita que está cumprindo um papel importante de representatividade de mulheres negras e pobres, de favelados e faveladas. Sobre as ambições da vida pública, defende que vai terminar o mandato de vereadora, mas que não descarta outro cargo, por exemplo de deputada estadual. “Mas hoje não sou candidata a nada. Sou vereadora” – esclarece. Sobre uma possível resistência dentro do partido, conhecido reduto da intelectualidade machista e elitista, para a sua candidatura, Marielle diz que “os machistas de plantão existem em todos os lugares”, mas que o partido viabilizou a sua candidatura e de todas as mulheres. Nas horas de lazer, a mãe e vereadora afirma sorrindo: “Adoro praia”.

Jornal Voz das Comunidades (JVC): Como é ser uma vereadora do município do Rio de Janeiro mulher, negra e favelada? Já sofreu preconceito?

Marielle Franco: É um peso, uma responsabilidade, um desafio. É um lugar de busca, o tempo todo, para garantir os trabalhos, as expectativas das pessoas desse lugar. Mas com muita tranquilidade: ainda são só os primeiros quatro meses de trabalho. Nunca sofri preconceito, mas não é uma zona de conforto, eu não estou no viaduto de Madureira, não estou na favela chamando a galera. Tem todo um aparato da linguagem, da disputa linguística, da narrativa, do decoro. Então é uma pressão nesse sentido. Nada explícito, mas a gente percebe que tem um incômodo que não é dito.

Foto: Rodrigo Chadí/Voz das Comunidades
Foto: Rodrigo Chadí/Voz das Comunidades

JVC: Qual é o balanço da sua atuação nesses pouco mais de 150 dias de mandato?

Marielle Franco: O balanço é positivo, mas ainda tem muita coisa para fazer. No processo de autocrítica, a gente precisa conhecer mais a casa, se aprofundar mais nas questões legislativas. O debate que a gente quer fazer hoje sobre a disputa institucional precisa ter maior conhecimento da Casa. Regimento, requerimentos, os mecanismos da própria audiência pública. Ainda é um momento inicial, mas o saldo é positivo. A gente já se posicionou contra o Prefeito, já se coloca como oposição responsável, sem ser a qualquer custo.  

JVC: Quais são as pautas prioritárias do seu mandato?

Marielle Franco: O nosso foco hoje é nas mulheres negras e pobres. Todas as nossas atividades são voltadas para essas pessoas, tanto nas áreas de transporte, como saúde ou moradia.

JVC: Tem algum projeto de lei que você queira muito aprovar? Ou alguma meta de realização até o fim do seu mandato?

Marielle Franco: A gente quer fazer um diagnóstico das maternidades. Já apresentamos dois projetos de lei importantes, um deles na linha da saúde da mulher negra. As mulheres negras são as maiores vítimas da violência obstétrica, da mortalidade materna. A gente apresentou um projeto para as mulheres vítimas de aborto. Outro ponto fundamental para o nosso debate sobre a favela é o do “Espaço Coruja”, que é um horário complementar nas escolas, nos espaços de educação infantil, para crianças de 6 meses a 7 anos, no turno da noite, para que  as mulheres tenham mais tempo para estudar e se capacitar.

JVC:  Você enfrentou resistência dentro do próprio PSOL (Partido Socialismo e Liberdade), um partido que tem as causas de esquerda, mas que é associado à elite, para a sua candidatura?

Marielle Franco: O PSOL não está dissociado do nosso machismo de cada dia. O PSOL tem os seus machistas de plantão e, querendo ou não, eles vão ler e ouvir isso. Agora, o PSOL e principalmente a direção, o PSOL carioca, na campanha de 2016, viabilizou para todas as candidaturas de mulheres, inclusive a minha, três estruturas fundamentais: contábil, advogado e uma plataforma online de arrecadação para o financiamento da campanha. Mas é óbvio que todas as lideranças macho-alfa-dominante, quando chega uma mulher, se incomodam e tremem. Isso, sem dúvida. É o incômodo de perder o lugar que era considerado do homem.

JVC: Como você começou a participar da política institucional?

Marielle Franco: Eu fiz pré-vestibular comunitário na Maré e lá foi meu primeiro contato, mesmo que não institucional, com a política. Nesse período, nos primeiros anos do governo Lula, eu entendi o que era fazer política para além do voto. Eu era filiada ao PT, já tinha feito as campanhas da legenda de 2002 e 2004. Mas foi em 2006 que entendi o que era a grande política. Eu fui entendendo o que era essa mudança do PT para o PSOL,  quando o Marcelo Freixo estava se candidatando pela primeira vez para deputado estadual. Eu o conheci melhor porque ele já tinha dado uma aula na Maré, trabalhei na campanha dele e, depois que ele foi eleito, me convidou para compor a sua assessoria. Foi quando fui trabalhar na Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ).

JVC:  Você tem pretensão de se candidatar para deputada estadual ou federal? Quais são as suas ambições na vida pública?

Marielle Franco: Eu tenho ambição de que, se der tudo certo, a gente continue cumprindo um papel importante de representatividade. Podem acontecer outros mandatos, acredito que aconteça. A gente vai estar sempre ampliando os aspectos. Mas hoje eu não sou candidata a deputada estadual no próximo ano. Vou terminar o meu mandato de vereadora. Mas sei que hoje cumpro um papel político que é mais amplo do que eu, que é de um grupo de mulheres e de favelados e faveladas que se identifica, que na rua me diz: “você me representa”, sem querer ser retórica ou poética.

JVC: O que você faz quando está de folga? Gosta de ler?  O quê?

Marielle Franco: Estou tentando ler o livro Americanah, da Chimamanda (Ngozi Adichie, autora nigeriana), mas está difícil, não estou conseguindo. Quando estou de folga vou à praia, adoro.  

JVC: A maioria dos votos que te elegeu não veio de áreas de baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Rio de Janeiro, como as favelas. Você tem adotado alguma medida para dialogar com essas pessoas?

Marielle Franco: A gente não vai superar questões estruturais como o conservadorismo que tem nas favelas ou essa marca de um estado social brasileiro, que ainda é muito pautado nos personalistas e nos benefícios com um mandato. Eu acho que tem uma dívida da esquerda, por isso que eu acho que a gente não supera com um mandato. É o tempo todo pautando isso no partido. E é claro que tem muito estigma, mas isso não quer dizer que o PSOL não tente buscar novos e diferentes mecanismos. Mas tem uma mudança de paradigma que não vai vir de uma hora para outra. A gente está buscando romper com o que talvez seja mais fácil. A gente está fazendo as panfletagens na Maré, e não só no Centro. É estar junto com essas pessoas. E falar com as novas mídias, não contar só com a comunicação do Diário Oficial.

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EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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