Pesquisar
Close this search box.
Pesquisar
Close this search box.

Moradores do Alemão fazem sucesso com canal de comédia, até fora do país

Atores que dão vida a ‘100g’ e ‘Jurubeba’ lutam pelo sucesso e querem mostrar que existe mais do que violência nas comunidades

Era domingo de manhã quando a equipe se encontrou na estação Palmeiras do teleférico do Alemão, para gravar mais um vídeo de “As aventuras de 100g e Jurubeba”, o primeiro canal de humor no site YouTube feito por moradores do Complexo do Alemão. A ideia é retratar a vida de jovens que vivem em comunidades e mostrar o máximo do cotidiano para que o espectador se identifique com a comédia.

Para isso, Allexandre Ferreira, de 20 anos, dá vida ao “100g” e Samuel Silva, de 19 anos, interpreta “Jurubeba”. Os dois rapazes cursam teatro no projeto “Alma não tem cor”, localizado na Biblioteca Parque Alemão, na estação Palmeiras do teleférico. Allexandre, que é nascido e criado no Complexo, trabalha como porteiro e, apesar de sempre ouvir que poderia se dar bem na comédia, se diz muito tímido e nunca pensou em ser ator. O interesse veio depois de saber por uma vizinha da existência da escola de teatro na comunidade.

“Aprendemos a atuar e como é estar em um teatro. Depois de algumas aulas tivemos coragem de fazer os vídeos. Éramos muito tímidos, apesar de não aparentar”,diz o jovem.

Samuel Silva, de 19 anos, interpreta “Jurubeba” - (Foto: Renato Moura)
Samuel Silva, de 19 anos, interpreta “Jurubeba” – (Foto: Renato Moura)

Nascido em João Pessoa, na Paraíba, Samuel chegou ao Rio de Janeiro ainda criança e desde os sete anos convive com Allexandre. Além de atuar nos vídeos, trabalha como entregador na Tijuca, mesmo bairro em que o amigo trabalha. O rapaz conta que , ao conhecer Allexandre , foi surpreendido com uma “brincadeira” da época, que não existia na Paraíba: A “moca”. Para quem não conhece, nada mais é do que um cascudo na cabeça.

“A primeira vez que ele olhou para mim, me deu um ‘mocão’ de boas-vindas” – lembra, em meio a muitas risadas.

Duas semanas após iniciarem as aulas de teatro, os meninos gravaram o primeiro vídeo, intitulado “O Pão”. Por serem vizinhos, Samuel vai quase todos os dias tomar café na casa do Allexandre e decidiram fazer uma encenação com o tema. Apesar de parecer simples, a cena acabou gerando inúmeras visualizações nas redes sociais e chamou a atenção dos atuais produtores.

A direção é de Leonardo França, estudante de Publicidade de 19 anos , e o audiovisual fica por conta do cinegrafista e fotógrafo Bruno Alcantara, de 27. Ambos são moradores do Conjunto de Favelas do Complexo do Alemão e já se conheciam de outros projetos. O interesse em criar um canal de comédia surgiu após assistirem ao vídeo publicado pela dupla.

“Depois de muita conversa, nós criamos o canal do YouTube, a página do Facebook e as artes. As gravações não possuem investimentos externos. Os materiais, câmeras e tudo o mais que usamos são financiados por conta própria. Confiamos no talento deles”, comenta Leonardo.

As cenas são gravadas externamente, em ruas da comunidade. A intenção é que cada vídeo dure aproximadamente de dois a três minutos. Leonardo diz que as ideias para os roteiros surgem a partir do cotidiano. Qualquer situação do dia a dia pode se tornar um novo vídeo para o canal e todas as pessoas que participam do projeto estão livres para dar sugestões.

“A gente tem a ideia, o grupo todo analisa e, sendo aprovada, partimos para a gravação. Todo mundo escreve, todo mundo dá ideias”, Bruno completa.

O combinado era que os meninos criassem um apelido antes do início das gravações. Depois de passar um dia na praia, Allexandre foi apelidado de 100g pelos amigos devido ao seu porte físico. Já o de Samuel foi escolhido aleatoriamente. Precisava ser rápido e Jurubeba foi um dos nomes mais esquisitos que veio a mente.

“Pensamos em vários. Cada um pior que o outro, até que apareceu Jurubeba e ficou esse mesmo e está muito bom”, conclui.

Allexandre Ferreira, de 20 anos, dá vida ao “100g” - (Foto: Renato Moura)
Allexandre Ferreira, de 20 anos, dá vida ao “100g” – (Foto: Renato Moura)

Questionados se já são reconhecidos na rua, Allexandre abre um sorriso e diz que dá muitos autógrafos, que tem fãs e é famoso até fora do Brasil. “Já, muitas vezes. Dou até autógrafo! Na Tijuca, onde eu trabalho, já me reconhecem pelos vídeos. Tem uma menina da França que é fã número um! Veio até aqui no Alemão para ver a gente”.

“Eu estava na igreja, o pastor anotou meu nome e apresentou os visitantes. Quando chegou o meu, ele disse: Samuel, mais conhecido como Jurubeba. Nesse momento a igreja toda olhou para trás. Eu sentei devagarinho e botei a mão no rosto. Fiquei meio sem jeito, sabe?”, lembra Samuel.

Apesar de serem reconhecidos por algumas pessoas, 100g e Jurubeba já passaram situações delicadas enquanto gravavam suas aventuras na comunidade.

“Estava com um amigo e chegaram uns policiais, me revistaram e encontraram minha touca (a que usa para encarnar o personagem 100g). Mesmo a gente não tendo nada de errado, nos levaram para a delegacia. Perdemos quase duas horas lá até liberarem a gente. Teve outro dia também que eu e Samuel estávamos esperando a aula de teatro começar num espaço aberto da estação e fomos convidados a nos retirar do local. Falaram que a gente estava ‘pegando a visão’ do tráfico”.

Eduardo Silveira trabalha como motorista carreteiro, faz aulas de teatro durante seu tempo livre e diz que é uma honra encenar com os meninos. Foi ele que, durante uma participação especial, deu vida a Bernadete, uma vizinha que joga panelas na cabeça de quem tenta roubar mangas de seu quintal. “É uma honra fazer parte do projeto onde tenho a chance de poder contribuir. É importante que a juventude veja algo diferente na nossa comunidade”, diz.

100g (esquerda), Jurubeba (meio) e Eduardo Silveira, interpreta a Bernadete. - (Foto: Renato Moura)
100g (esquerda), Jurubeba (meio) e Eduardo Silveira, interpreta a Bernadete. – (Foto: Renato Moura)

Um dos presentes durante a gravação era Jason Scott, representante da University of Colorado. O americano, que mora na Alvorada, no Complexo do Alemão, participou de uma das cenas. “Estou morando na comunidade e gosto de participar de tudo. Assisti aos vídeos, achei engraçados e me ofereci para ajudar.”

Antes de encerrar a entrevista, Allexandre e Samuel pedem para avisar que estão solteiros e dão um recado para os moradores do Complexo do Alemão: “Podem esperar novos episódios. E peço para que o povo fique ligado nos nossos vídeos, cada vez com mais humor. Se inscrevam no canal e gatinhas, me adicionem no Facebook. É Allexandre Ferreira, Allexandre com dois ‘L’ (risos)!”.

“A gente pede ajuda da comunidade do Complexo para compartilhar. O povo só vê no jornal tiroteio e morte. Estamos aqui para mostrar que tem morador com talento e que aqui não tem só marginal, como muita gente acha. O nosso humor é limpo, leve, sem palavrão e sem pornografia. Precisamos muito da ajuda dos moradores para contribuir. Compartilhem nossos vídeos e inscrevam- se no canal”, completa Samuel. Os vídeos são publicados às terças- feiras, no canal “As Aventuras de 100g e Jurubeba”, no YouTube.

Compartilhe este post com seus amigos

Facebook
Twitter
LinkedIn
Telegram
WhatsApp

EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

Contato:
[email protected]