Pesquisar
Close this search box.
Pesquisar
Close this search box.

Moradores do Santa Marta substituem o fastfood por salada

Foto: Divulgação
Foto: Divulgação

Saladorama: a incrível história de como alface, tomate, verduras e temperos mudaram a visão da comunidade sobre alimentação saudável

Desde pequenos todos nós ouvimos que é melhor comer “isso” do que “aquilo” por conta da saúde, valores nutricionais, riscos de obesidade – cada vez mais comum entre as crianças –, ou mesmo em função de um lifestyle mais leve que vemos nas mídias. Mas a realidade parece bastante distante dos pratos coloridos, bonitos e saudáveis, montados com precisão por profissionais de nutrição. Afinal, alimentação saudável custa caro e, às vezes, só existe em fotos do Instagram. A gente ouve Bela Gil falar, em seu programa de TV, sobre alimentação saudável, chia, linhaça, farinha de castanhas, óleo de coco, verduras orgânicas… Muitas vezes isso acaba gerando um desconforto descomunal entre os que nunca consumiram esses produtos (talvez sequer ouviram falar neles), embora quisessem. Comer bem tem o seu preço.

Mas por que algo que é bom para alguns, como a alimentação saudável, não pode ser bom (e acessível) para todos? Para Hamilton Henrique, essa inquietação gerou a vontade de mudança, resultando na criação, em 2015, do Saladorama, um empreendimento com responsabilidade social, que tem a missão de ser “da comunidade e para a comunidade” e vem revolucionando a forma como enxergamos a alimentação saudável, através da venda dos mais variados tipos de saladas.

Foto: Divulgação
Foto: Divulgação

Hamilton, que é formado em engenharia de produção, nasceu e foi criado na comunidade do K11, em Nova Iguaçu. Desde pequeno, ele via sua mãe, dona Eliete Francisca, fazer do seu cotidiano um verdadeiro projeto social – ajudando como podia a realidade que a rodeava. Com o passar do tempo, Hamilton descobriu que poderia seguir o exemplo da mãe através da criação de um negócio que o sustentasse, mas que também vesse um objetivo social.

A ideia de fazer algo relacionado à alimentação veio quando ele trabalhou em um coworking na zona sul da cidade, uma outra realidade. Hamilton observou como as pessoas seguiam práticas saudáveis nas refeições e percebeu que aquilo era bom – mas, ao mesmo tempo, tão distante da realidade da comunidade. Um dos principais motivos estava no custo desses alimentos, muito alto. Em vez de deixar o assunto para lá, Hamilton enxergou a possibilidade de levar comida saudável a preços mais acessíveis para os moradores da comunidade.

Hoje o Saladorama é um negócio internacional, presente em sete estados brasileiros e com duas unidades na África – uma em Angola e outra em Nairobi. A expectativa é crescer ainda mais, fortalecendo a comunidade para crescer junto. Hamilton conta que o início não foi fácil, porque teve que enfrentar vários desafios, como exemplo a dificuldade de encontrar pessoas que também acreditassem na viabilidade do projeto e comprassem essa ideia. Isso mudou quando um amigo lhe apresentou Marina Fernandes e Isabela Ribeiro – nutricionista e designer, respectivamente –, que então formaram a estrutura organizacional da empresa.

Foto: Divulgação
Foto: Divulgação

Embora seja um empreendimento com foco na responsabilidade social, os desafios ainda continuam (burocracias, taxas, impostos e outros). Foi importante a equipe de fundadores ter participado de mentorias pela YSB (Yunnus Social Brasil), que os ajudaram especialmente na conexão com várias outras pessoas que permitiram o projeto sair do papel. Mas não foi simples: “No início lembro de ir para o ônibus tentar vender salada para validar a ideia de um empreendimento como o Saladorama. Foi uma sequência de tentativa e erro. Quando criei a página do negócio no Facebook, poucas pessoas curtiram, vemos pouco apoio por se tratar de algo inédito” – admite Hamilton, que apesar de tudo, garante que valeu a pena.

A ideia surgiu em São Gonçalo, depois passou para Niterói e finalmente migrou para Santa Marta, lugar onde hoje fica a unidade Rio do Saladorama. Hamilton conta que, durante as reuniões da Yunnus, outro participante, o Gilson, que morava no Santa Marta, o estimulou a levar uma unidade para lá. Ele lembra exatamente como foi: “Sempre que me via, o Gilson ficava me zoando, dizendo que gostava muito de uma pizza, um hambúrguer e etc. Um dia levei uma salada para ele, e nos outros encontros ele começou a me pedir para continuar levando e fez o convite para irmos vender no Santa Marta. Lá ele me apresentou as fragilidades da comunidade; começamos um intensivo de estudos por lá e em seguida abrimos o negócio”.

No Saladorama foi criado um ciclo comercial exclusivo para a periferia: os agricultores, cozinheiras, entregadores e clientes, preferencialmente, são da comunidade. “Não somos um negócio de fora da comunidade”, garante Hamilton. Um dos maiores desafios da empreitada foi apresentar um novo cardápio para os moradores da favela. Hamilton e sua equipe viram a necessidade de apresentar novas possibilidades de preparo com os mesmos alimentos que eles ofereciam no cardápio. Foi um trabalho de paciência, mas fundamental para dar tempo para que a comunidade pudesse provar, conhecer e criar um novo paladar.

O Saladorama capacita mulheres da própria comunidade para trabalharem na unidade. Hamilton explica os motivos com entusiasmo: “Primeiro, pela facilidade das mulheres em realizar diversas atividades ao mesmo tempo – e com excelência –; segundo, mulheres são mais exigentes com processos, fazem as coisas certas, e o que não têm, elas criam processos para desenvolver; por último, são excelentes administradoras, isso faz toda a diferença”.

O mais interessante é que não são franquias e sim filiais: as mulheres que trabalham no Saladorama, depois de um tempo, ganham autonomia para serem as responsáveis pela unidade. Hamilton acredita na importância do empoderamento da comunidade e também das mulheres, ao passo que as coloca à frente dos negócios. Isso também é importante para que, em cada lugar em que o Saladorama está, exista uma conexão com as demandas e a identidade daquela comunidade, e ninguém melhor do que as próprias moradoras para conseguir isso.

Foto: Divulgação
Foto: Divulgação

Atualmente o Saladorama passa por uma expansão de seu modelo de negócio através de revendedores. A ideia é atuar em mais comunidades em menos tempo e com menor custo. Estão sendo treinados 80 distribuidores para atuar em 40 comunidades, no Rio e em Recife. Também está em desenvolvimento o Instituto do Saladorama, uma fábrica de talentos que pretende oferecer formação técnica para mulheres das comunidades, para que possam ou trabalhar em alguma unidade, ou serem indicadas para alguma empresa parceira; ou ainda, caso queiram empreender, capacitá-las para criarem seus negócios.

“Alimentação saudável é direito e não privilégio”, defende Hamilton sobre o que é, provavelmente, o cerne do seu empreendi- mento. Afinal, seu objetivo nunca foi limitado a ter um negócio, ou vender saladas, é muito mais que isso. O Saladorama representa uma mudança social. Um prato que alimenta a fome física, mas também a fome por igualdade social, pela luta contra o preconceito, o racismo e a hegemonia capitalista. Algo que vai muito além de um prato de salada.

Compartilhe este post com seus amigos

Facebook
Twitter
LinkedIn
Telegram
WhatsApp

EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

Contato:
[email protected]