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O país regular

Às vésperas do início dos Jogos Olímpicos, com obras ainda incompletas ou mal acabadas, enquanto luta contra o tempo para concluir tudo dentro do prazo, o Brasil é forçado a se confrontar com um de seus grandes algozes culturais: o fato de ninguém aqui nunca ter sido muito exigente.

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A questão é simples: não somos um país exigente. Exigimos pouco dos produtos e serviços enquanto consumidores, as escolas exigem pouco dos alunos, exigimos pouco dos nossos políticos, e assim por diante. É como se uma espécie de conformismo generalizado tomasse conta de toda a população, um sentimento de que tudo sempre está bom, ou de que sempre o que é ofertado é suficiente. Esse fator ocupa parte importante na nossa cultura, sendo determinante para que sejamos reconhecidos como um povo feliz -quem tem menos expectativas também se satisfaz com menos. Nesse momento, no entanto, sob os olhares do mundo inteiro, esse mesmo atributo promete nos perseguir.

As origens dessa maneira brasileira de percepção são, em grande parte, históricas. Como ao longo da trajetória do nosso país as coisas nunca foram abundantes para a maioria, e, ao mesmo tempo, o governo sempre se apresentou como provedor para a população, o sentimento que desenvolvemos enquanto povo foi muito mais de gratidão que de cobrança frente às autoridades e frente uns aos outros. O resultado disso é que temos hoje uma infraestrutura sofrível, serviços públicos e privados de má qualidade e que, no geral, pagamos caro por produtos ruins, quando podíamos ter algo bem melhor pelo mesmo preço.

Um exemplo claro da situação é o sistema educacional brasileiro, que, ao se constatar ineficaz, faz a opção por nivelar-se por baixo. Nosso país não consegue disponibilizar educação pública para todos, e quando o faz é com péssima qualidade, a ponto de retirar os alunos do padrão de competitividade estabelecido pelas escolas particulares –que, apesar de bem melhores, estão aquém do que poderiam ser. A solução governamental é, então, uniformizar as provas de vestibulares do país inteiro com o ENEM, que exige muito menos dos alunos do que os vestibulares anteriores costumavam exigir. A causa é nobre: melhorar o acesso da população ao ensino superior. O enfoque, no entanto, é invertido: ao invés de melhorar consistentemente a qualidade do ensino público, é feita a opção de baixar os padrões de referência, para que o mesmo ensino público ruim passe a ser considerado mais próximo do ideal sob as novas condições.

Além de não resolver o problema, na realidade é criado um ciclo vicioso no qual o vestibular exige menos dos alunos, que, por sua vez, se acomodam mais e passam a exigir menos de si mesmos, até chegar num ponto em que o vestibular precisa exigir menos ainda para que os alunos, agora mais acomodados, sejam capazes de reiniciar o ciclo. A mesma ideia vale para quase todas as áreas do país. Pagamos cada vez mais caro por um péssimo serviço de energia. Além de inconstante, o preço é altíssimo em comparação a qualquer país do mundo. Para bancar as melhorias necessárias à infraestrutura existente, que já é fruto da falta de exigência nacional, é necessário subir ainda mais o preço do serviço, e assim por diante.

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Agora, voltemos à Vila Olímpica. O padrão dos prédios não é diferente do padrão brasileiro. É assim que as obras são entregues em nosso país: com acabamento ruim, com defeitos e com serviços por fazer. Não é surpresa nem exceção à regra por aqui. O mundo pode se assustar com isso, mas os brasileiros não podem. Esse é o padrão de exigência que estabelecemos para o país, e as falhas nas obras Olímpicas são o menor de nossos problemas. Basta lembrar, por exemplo, que mais da metade dos brasileiros ainda não é atendida com redes coletoras de esgoto.

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O problema é que, até aqui, optamos por ser um país apenas regular. Nem muito bom, nem muito ruim, apenas regular. Não que ser regular seja necessariamente algo ruim: ser ótimo exige muito mais trabalho e muito mais dedicação, e talvez nem todos os brasileiros estejam dispostos a se doar a essa causa. A questão é que enquanto não mudarmos de mentalidade, nosso baixo nível de exigência continuará a nos assombrar, seja no próximo evento internacional que resolvamos sediar, no próximo imóvel que comprarmos ou na conta de luz absurda do mês que vem –que vai chegar bem alta, independente de ter faltado energia o mês inteiro ou não.

AUTOR:Jose_octavio_colunistafixo-2

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EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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