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OPINIÃO | Evasão escolar: mais uma das faces do racismo

09/9/2008. Credito: Juliana Leitao/DP/D.A Press.Violencia nas escolas. Professor Eduardo.

Colunista: William Corrêa | Foto: Juliana Leitao/DP/D.A Press.Violencia nas escolas. Professor Eduardo.

No dia 23 de maio de 2018 foi ao ar no programa “Profissão Repórter” uma reportagem sobre evasão escolar no território brasileiro. A matéria teve como objetivo compreender as motivações de jovens que abandonam a escola na rede pública de ensino e teve como foco o estado de Alagoas, que apresenta o maior índice brasileiro de evasão escolar na rede pública na etapa do Ensino Médio segundo dados do Censo Escolar de 2016. Na reportagem, as principais motivações relatadas pelo jovens e suas famílias foram: trabalho, gravidez e violência.

A evasão escolar é, de fato, um problema que ainda atinge muitos jovens. Com certeza você, leitor, conhece algum jovem fora da escola e não deve ser alguém muito distante, não é? Para se ter uma ideia, segundo dados da plataforma QEdu, que usou dados do Censo Escolar de 2016, a taxa de jovens que abandonaram a escola na rede pública de ensino foi de 3,5% no Ensino Fundamental (368.210 abandonos) e dados ainda mais alarmantes no Ensino Médio: 7,5% (495.843 abandonos).

De acordo com dados do Observatório de Educação, quanto mais pobres as famílias dos estudantes, maior a chance de evasão escolar. A partir de dados do Censo Escolar de 2016, o Observatório mostra que as taxas de evasão escolar variaram entre 3,1% para estudantes de alta renda familiar até 10,9% para estudantes de baixa renda familiar. Como mostra a reportagem da Globo citada no início deste artigo, uma das explicações para isso é a necessidade de jovens pobres conciliarem escola e trabalho, o que pode ajudar a explicar porque a taxa de abandono aumenta no Ensino Médio em relação ao Ensino Fundamental, pois é quando jovens passam a buscar trabalho de maneira mais frequente.

Para falar de evasão, tenho que falar de reprovação escolar e de fatores que a influenciam. Em artigo de Fernando Tavares Júnior, Arnaldo Mont’Alvão e Luiz Flávio Neubert, de 2015, os autores mostram que renda familiar e cor/raça possuem influência nas chances que os estudantes têm de seguir para uma série posterior. A renda familiar tem forte influência na transição entre 9º do Ensino Fundamental e 1º ano do Ensino Médio: quanto mais pobre é a família do aluno, menor é a chance de ele seguir para o Ensino Médio. Também é de se destacar o fator raça, que tem cada vez mais impacto nas transições escolares ao longo de toda a Educação Básica, o que é reforçado durante o Ensino Médio: alunos que não são brancos têm menos chance de irem para séries posteriores. Você deve estar pensando: “nossa, mas o que tem a ver a raça com o sucesso escolar”? Bem, não deveria ter influência nenhuma, mas tem. Falo um pouco mais disso aqui.

Pra ser direto: tem gente ficando no caminho ao longo das transições escolares e esses alunos são especialmente os pobres e os negros.

Eu insisto em destacar a reprovação escolar mesmo quando o tema é evasão porque é um dos principais fenômenos que tendem a culminar com a interrupção dos estudos e não se pode dizer que somente os alunos são culpados pela própria reprovação e evasão: as escolas têm papel importante no processo. As escolas brasileiras persistem em um processo de reprovação intenso; é que existe uma “crença” de que reprovar um estudante é bom para o seu sucesso escolar, como se reprovar fosse um ato disciplinador. Há critérios para julgamento dos alunos que não são estritamente cognitivos e de desempenho/aprendizagem escolar, como história de vida dos estudantes, formas de agir (frases como “ele não quer nada” são comuns em Conselhos de Classe, que são reuniões em que professores julgam e classificam seus alunos). Até a percepção de professores sobre a família dos alunos influencia nos julgamentos e avaliações de acordo em pesquisa realizada por Ana Pires do Prado e Maria de Lourdes Sá. Essa prática corriqueira de reprovar estudantes ficou conhecida nos anos 1990 como “Pedagogia da Repetência” e a “crença” de que reprovar é bom para o aluno se mantém mesmo que os dados apontem que altas taxas de reprovação não ajudam no sucesso escolar e pior: mesmo que mostrem que alunos negros e pobres são os que mais sofrem com esse fenômeno.

Portanto, mais reflexões sobre o que é feito no ambiente escolar são necessárias, a partir de debates horizontais entre pesquisadores, escolas e sociedade civil. Não é exagero quando dizemos que a evasão escolar brasileira é uma das inúmeras faces da desigualdade social e do racismo.

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EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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