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A solidão da mulher negra na universidade. A gente incomoda!

A realidade do meio acadêmico infelizmente é para poucos. Não se sentir representada dentro da sala de aula é o retrato do quão difícil é entrar e se manter numa universidade. Ainda mais quando somos negras, periféricas, pobres e cheias de determinação – porque incomodamos, e vão tentar nos desanimar de todas as formas. Seja no processo seletivo para conseguir uma bolsa de estudos, seja nos gastos nada acessíveis com o curso ou até mesmo na escolha da dupla para o trabalho – raramente somos escolhidas. Isso apenas no início. Vejam as próximas palavras de alguém que também passa por isso. A gente incomoda.

Eles, inseguros, dizem que não somos capazes e que não vamos conseguir chegar muito longe. Isso é comum no vocabulário de quem precisa nos diminuir para que se sinta alguém honrado com o que faz – ou não faz, pois pessoas assim não conseguem evoluir, não conseguem se sentir realizadas. Por isso que as pretas incomodam. A gente se doa, corre atrás, sabe a importância e o real significado da frase: isso foi fruto do meu suor. A gente incomoda.  

Nos primeiros períodos não nos enxergam como alguém que terá um futuro promissor, mas aos poucos vão percebendo que, de onde viemos, não aprendemos a voltar pra casa com um serviço mal feito e o sabor da derrota. Lutamos diariamente contra tudo que nos atinge negativamente, dentro da universidade não seria diferente. A gente incomoda.

Estar sozinha é uma escolha que faz parte, se sentir sozinha é uma angústia que, por mais que sejamos fortes, não queremos para o nosso cotidiano. Taí  outro problema, achar que mulher, principalmente a mulher negra, tem que ser forte o tempo todo. Tem dias que não queremos discutir sobre a nossa militância, existem sim os dias em que só queremos trabalhar, estudar e voltar pra casa. Nada além disso. Não respeitam o nosso cansaço, o nosso corpo, o nosso silêncio – querem que a gente dê conta de tudo. Eu não aceito esse fardo, você também não precisa aceitar, preta. Temos o direito e a liberdade de fazermos nossas escolhas. Isso incomoda. A gente incomoda.

As pesquisas sobre a quantidade de negros nas universidades é difícil de ser encontrada, principalmente quando o assunto são mulheres negras na academia. Conversando com o meu amigo William Corrêa, ele que é professor de Ciências e Biologia e Mestre em Educação na URFJ me passou alguns dados sobre esse assunto: Segundo a Andifes, há três anos, 47,5% do total de estudantes das universidades federais do Brasil são negros. Pouco, né? Estamos falando de um país em que a população é majoritariamente negra. É por isso que luto para ocupar a academia, quero abrir as portas para as minhas. A gente incomoda.

Quem é a preta respeitada?

Eles vão nos respeitar. Desde que a gente tenha algo de positivo para oferecer. Mas não se iluda, preta! Esse respeito é apenas para nos manter por perto, como alguém que eles podem precisar daqui uns dias – aquele contato, sabe? Não vão assumir que somos talentosas, inteligentes, esforçadas, fortes, mulheres negras com muito potencial. Não vão nos parabenizar pelas palestras, projetos, cargos, conquistas, e nem muito menos serão o nosso ombro amigo quando algo de ruim acontecer. Solidão. Não é uma solidão com a qual escolhemos conviver. Desmotiva, dá um aperto no coração, uma lágrima (ou muitas lágrimas) que escorre ao se deitar na cama, um cansaço ao saber que um novo dia começou e tudo isso se repete… Eu sei que dói, preta! Eu também sinto essa dor. Só eu sei como me esforço e luto todos os dias para realizar os meus sonhos. Só eu sei como é ser taxada de esnobe por conquistar muito com tão pouca idade. Mas eu sigo em frente, como sempre segui. Eu incomodo.

Tem sol pra todo mundo, eu procurei o meu e fui. Torço para que todos consigam se encontrar e se sentir realizados na profissão como eu me sinto. Inveja e desprezo não levam ninguém a lugar algum. Eu, criada por mulheres (negras) maravilhosas, sei bem o que é correr atrás do meu. Eu faço e faço bem feito. Me orgulho disso e dou orgulho para as minhas. Vamos nos unir mais, pretas! Nos fortalecer e nos encher de amor. O mundo tá cruel demais. Deixem entrar somente as pessoas boas e que transmitem a energia positiva que emanamos. Precisamos estar na universidade, ocupando nosso lugar e abrindo as portas para que outras manas consigam chegar. Vamos recebê-las de braços abertos – mesmo não sabendo o que era isso quando chegamos lá. A gente incomoda e a gente acolhe as nossas.

Pretas! Nós incomodamos sim, mas se não for pra causar, ninguém sai de casa, né? Com os pés no chão, confiança e determinação, a gente chega lá. Sempre nos fortalecendo. É isso que realmente importa, o tipo de ser humano que somos para os nossos. Força de vontade está em nosso sangue. Enquanto finalizo esse texto, olho para as roupas que separei para colocar na mala que vou levar para a Colômbia. Sim, preta! Fui convidada para participar do maior festival de jornalismo da América Latina – o Festival Gabo. É fruto do meu suor, do meu talento e da minha coragem! Eu sigo incomodando, mas sei que não ando só.

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EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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