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#ArtigoDeOpinião: A criminalização da LGBTfobia funciona pra quem?

Protesto pró direitos LGBT em frente ao Congresso Nacional, em Brasília.

Texto: Ygor Pinheiro

Roubo, furto e assalto são crimes. Corrupção é crime. Agressão à mulher (de qualquer tipo) é crime. Tráfico de drogas é crime. Racismo é crime. Homicídio é crime. Preconceito religioso é crime. Mesmo assim, você consegue contar quantas vezes lida com todos esses problemas em seu dia a dia? As coisas parecem ter melhorado ou ao menos demonstram algum sinal de melhora?

Pois bem, estão sendo votadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), desde o último dia 13 de fevereiro, duas ações movidas pela Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bisexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT) e pelo Partido Popular Socialista (PPS) que tem como objetivo final, respectivamente, a declaração de omissão do Congresso Nacional no processo de análise do projeto de lei 5.003/2001, que criminaliza a LGBTfobia no Brasil, além de também pedir que os membros do tribunal interpretem as violências motivadas por orientação sexual como semelhantes às que têm sua origem no racismo, sendo estas últimas consideradas crimes através da Lei do Crime Racial.

O ministro Celso de Mello durante seu voto sobre a criminalização da LGBTfobia. (Foto: Nelson Jr./SKO/STF)

O Brasil é o país que mais mata pessoas LGBTs no mundo inteiro. Essa frase anda sendo tão repetida que acaba perdendo seu peso primordial, mas, de acordo com um estudo realizado pelo Grupo Gay da Bahia, entre janeiro e outubro de 2018, foram contabilizados 347 assassinatos deste tipo pelo país. Isso quer dizer que, aproximadamente, uma pessoa é assassinada a cada 24 horas somente por sua maneira de ser. Casos como o da universitária Matheusa Passarelli e da travesti Quelly da Silva, infelizmente, são exemplos recentes da violência brutal enfrentada por esse grupo.

Tal situação desoladora causa enorme desespero, o que proporciona o surgimento de “soluções fáceis”. Se membros da comunidade são assassinados, de modo cotidiano, por algozes que trazem consigo um preconceito irracional e não são punidos por isso, por que não tornar a discriminação por orientação sexual um crime?

Notícia do portal G1 sobre crime de ódio cometido contra travesti.

À primeira vista parece ser o modo perfeito de resolver esse enorme problema. Afinal, se uma ação se torna crime por lei, quem a pratica vai pensar mais antes de agir, correto? E, por isso, acabará não agindo. Mas as coisas não acontecem dessa maneira. Muito pelo contrário: elas tendem a piorar.

As leis 7.716 e 11.340 conhecidas, em respectivo, como Lei do Crime Racial e Lei Maria da Penha, são ótimos exemplos. Promulgado em 1990, o decreto que criminaliza a injúria (ofensas, xingamentos e incitação ao ódio) e a discriminação (tratamento discriminatório em ambientes públicos e comerciais) racial viu pouquíssimos resultados além de nomear os preconceitos sofridos pela população negra brasileira. Trinta anos se passaram e negros ainda são a maioria massiva nos indicadores de homicídios, encarceramento e desigualdade social.

O deputado federal Carlos Alberto Caó de Oliveira, autor da lei que criminaliza o racismo.

Já a regulamentação inspirada por Maria da Penha opera há 13 anos e, mesmo sendo um exemplo mundial de primor (discriminando todos os tipos de violência passíveis de punição, regras para puní-los e modos de prevenção), o Brasil segue em quinto lugar no ranking internacional de violência contra a mulher, com uma média de 4.459 mortes no ano de 2017.

Quanto à população carcerária, a brasileira está em 3º lugar entre as maiores do mundo, contando com 622 mil pessoas. Dessa população, 96% são homens, 67% negros, 30% tem entre 18 e 24 anos e 53% não terminou nem o ensino fundamental. As prisões brasileiras recebem o dobro do número de presos que suportam e 40% destes ainda estão sendo julgados pelos possíveis crimes cometidos, mesmo já em cárcere.

Encarcerados em presídio brasileiro.

Tráfico de drogas, roubos e furtos são as principais causas para condenações, responsáveis por cerca de 193 mil presos. Vale ressaltar a seletividade exercida nos julgamentos do sistema judiciário, exemplificada por casos como o do catador de papelão Rafael Braga e do filho de desembargadora Breno Borges.

Portanto, para os casos em que funcione, a interpretação da LGBTfobia como crime de racismo tem um perfil claro de vítimas: homens, negros, jovens, pobres e deseducados.

População negra é maioria entre os encarcerados no país.

Prender resolve? Um pouco. Por um determinado período de tempo, o criminoso estará afastado da sociedade e a vítima se sentirá, de alguma maneira, ressarcida. Contudo, é de conhecimento comum que as cadeias são os locais de origem das facções criminosas. Nomes como Comando Vermelho e Primeiro Comando Capital só surgiram devido às condições precárias em que os condenados ficam durante seu encarceramento, o que torna o ambiente propício para a formação das “famílias do crime”.

Por conseguinte, quem for preso por discriminação verbal, por exemplo, pode ser liberado como um traficante plenamente formado. Além disso, a prisão vai ensinar os cidadãos a serem menos homofóbicos? Saindo de lá, será que eles irão compreender a ignorância que envolve discriminar alguém por sua orientação sexual?

Pichações em homenagem ao Comando Vermelho nas paredes do presídio de Barra do Garças, em Mato Grosso. (Foto: Araguaia Notícias)

Uma das principais reclamações sobre a lei Maria da Penha é a falta de investimento na prevenção das violências. Combater o fato após ocorrido prova-se cada dia mais ineficiente, tendo em vista o crescimento exponencial da violência contra a mulher. A educação também é um dos pontos sugeridos por quem é contrário à criminalização da LGBTfobia, utilizando o exemplo das leis de cotas raciais como de grande ajuda para a reparação histórica devida à população negra, por, exatamente, incentivar o aprendizado.

É comum ouvir que o preconceito surge da ignorância e, para grande parte dos casos, isso é realmente verdade. Em um país onde 7 em cada 10 alunos do ensino médio têm nível insuficiente de português, é assustadora a perspectiva de seus conhecimentos sobre a diversidade humana. Por isso, a melhor tática para combater LGBTfóbicos é não formá-los, o que só acontece através do ensino.

Tweets feitos pelo youtuber Murilo Araújo, do canal Muro Pequeno, falando sobre a criminalização da LGBTfobia.

Para os casos de homicídios, que são mais urgentes, é possível endurecer as penas para homicídios cometidos contra  a comunidade LGBT, o que aumentaria o tempo de pena e impossibilitaria a liberdade através do pagamento de fiança, aumentando, com isso, a punição para seus praticantes. Inclusive, já existe um projeto de lei para isso em tramitação na Câmara dos Deputados, conhecido como Lei Dandara, de autoria da deputada federal Luzianne Lins (PT-CE).

Por fim, provavelmente, a homofobia e a transfobia serão criminalizadas, pois é claro o desinteresse da sociedade, e do Estado, quanto a investir em medidas realmente eficazes e que funcionem – ainda melhor –  à longo-prazo.

Contudo, é importante que todos saibam que, na verdade, seu funcionamento só é eficiente no que diz respeito à continuação do encarceramento em massa da população negra e mais pobre, gerando mínimos resultados para as pessoas LGBT.

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EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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