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OPINIÃO | Não há espaço ou lugar que elas não possam ocupar

Colunista: Jordânia Laisi | Foto destaque: Karina Amélia, repórter esportiva, e Isabelly Morais, narradora esportiva – Foto de Paulo Proença 

Se existe um grupo na sociedade que sempre foi excluído e subestimado desde os tempos mais antigos, é o grupo das mulheres. Com muita dificuldade elas conseguiram ocupar cargos de diretoras da iniciativa privada, do comando da maior corte de Justiça do país, e até mesmo a Presidência da República. Imaginar um grupo que sempre foi apresentado como minoria conseguindo alcançar um espaço de notabilidade, é realmente admirável.

Mas ao analisar a representatividade feminina em todas as suas ramificações, vemos que existe algumas lacunas que ainda precisam ser preenchidas por mulheres. Em nosso país, sempre conhecido como o país do futebol, o território do jornalismo esportivo ainda é pouco igualitário. A cultura predominantemente masculina na comunicação dos esportes pouco abre espaço para as profissionais do jornalismo.

É real que tudo o que se refere a atuação feminina no esporte é um enorme tabu. Basicamente, homens são estimulados a jogar e torcer desde a criação, já as mulheres, são ensinadas a ter obrigações com a casa, com a família, na cozinha e nos afazeres domésticos. Prestemos bastante atenção, meninas não são incentivadas a gostar de futebol, em hipótese alguma. Mesmo que elas queiram expressar suas verdadeiras vontades, são oprimidas por uma cultura que as excluem de ambientes considerados masculinos. Seguindo essa analogia, se você é uma garota, e gosta de futebol, jogar ou torcer, ou ao menos comentar sobre, você está indo contra a cultura pré estabelecida.

E o problema se agrava à medida que esbarramos em um dos maiores causadores dessa exclusão: o machismo. O entendimento que temos é que as mulheres precisam provar, quase que a todo tempo, que entendem do assunto. Numa pesquisa feita em maio de 2010 pela empresa americana de mídia digital Batanga Media do grupo Bolsa de Mulher, 2.084 mulheres brasileiras, entre 18 e 60 anos, foram entrevistadas em todo o país. Segundo os dados, a estimativa é que 80% torciam por algum time, 30% acompanhavam de perto campeonatos e jogos, principalmente os da Seleção. A crescente presença delas nas arquibancadas, tem provocado certo estranhamento pela ampla parcela de homens machistas que insistem em obrigá-las à saber de absolutamente tudo sobre o futebol.

Constantemente elas precisam explicar quais são as regras do impedimento, o significado da expressão “jogada ensaiada”, qual jogador está usando a camisa 10, ou até mesmo, saber a escalação da Seleção Brasileira. Ou seja, a cada vez que elas tentam marcar presença nos jogos, elas são submetidas a um questionário esportivo para ter a mínima possibilidade de torcer pelo seu time. Além das vezes que são ridicularizadas quando – como qualquer ser humano comum – não conseguem responder à todas essas perguntas.

Existe uma série de problemáticas envolvendo as práticas machistas cometidas pela nossa sociedade, e entre as que mais ofende, desrespeita e humilha a mulher, é o assédio. Não é uma simples cantada. Não é elogio. É assédio. Uma pesquisa feita pela Abraji divulgada no início do ano mostrou que 64% das jornalistas que responderam o questionário, relataram já ter sofrido abuso de poder ou autoridade de chefes ou fontes; 83,6 % já sofreram algum tipo de violência psicológica nas redações e 46% apontaram que as empresas onde trabalham não têm canais internos para receber denúncias de assédio e discriminação de gênero. Não são poucos os casos de mulheres profissionais do jornalismo que são assediadas em coberturas de jogos, em pleno exercício de suas funções.

Antes mesmo do início da Copa do Mundo 2018, a repórter Julieth González Therán, enviada especial da TV Deutsche Welle a Moscou, foi agarrada e beijada à força no rosto por um homem desconhecido enquanto fazia uma matéria sobre a contagem regressiva para o início da Copa. Durante uma transmissão ao vivo, em Ecaterimburgo, a repórter Júlia Guimarães, da Rede Globo, quase foi beijada por um torcedor; o ato foi impedido pela jornalista que teve que se desviar da direção do homem. Na Copa de 2014, a repórter Sabina Simonato, da Rede Globo, foi assediada duas vezes. Na primeira, foi beijada no rosto por um torcedor croata durante uma reportagem feita em São Paulo. Depois, na véspera do jogo entre Alemanha e Portugal, Sabina fazia uma matéria na Casa de Portugal para o Bom Dia SP, quando recebeu o beijo, sem sua permissão, de um dos torcedores que estava ali presente.

O caráter do machismo é universal. Está em todo lugar. É como uma doença crônica, quase que incurável, sem deixar chance da vítima se defender. As jogadoras em campo no futebol feminino, bandeirinhas, repórteres, narradoras, gandulas, todas elas merecem respeito. Elas resistem diariamente à atitudes machistas vergonhosas, enfrentam a desigualdade salarial, a dificuldade de trabalhar com o que gostam, além de serem vistas como inferiores aos homens. Não é um ato de benevolência tratá-las respeitosamente com igualdade, é uma obrigação.

Dentre tantos movimentos importantes em busca da inclusão, um dos atos mais significativos nessa trajetória de resistência é o movimento que teve início em março deste ano: #DeixaElaTrabalhar. Depois de inúmeros casos de assédio, a campanha reuniu cerca de 50 jornalistas mulheres brasileiras para relatar as ameaças e comentários violentos que fazem parte de suas rotinas em coberturas de partidas de futebol. Revelar o problema é trazer visibilidade para realidade, que até então, era invisível; e é também uma das formas possíveis de se criar uma rede de apoio coletivo entre as mulheres.

Isabelly Morais - Foto: Mourão Panda
Isabelly Morais – Foto: Mourão Panda

Outro marco na história da luta feminina, foi a primeira narração dos jogos da Copa do Mundo feita por mulheres. Uma das escolhidas para quebrar esse tabu foi a mineira de 20 anos, Isabelly Morais, que é estudante de jornalismo e trabalha na editoria de esportes da Rádio Inconfidência, desde julho de 2017. Em novembro do ano passado ela fez sua primeira narração em um jogo do América-MG pelo Campeonato Brasileiro da série B. Desde então, vem narrando Campeonato Brasileiro e Campeonato Mineiro pela rádio mineira. Isabelly foi uma das vencedoras do concurso “Narra Quem Sabe”, comandado pela jornalista Vanessa Riche e realizado pela Fox Sports. Além dela, as também vencedoras Manuela Avena e Renata Silveira, conseguiram conquistar espaço como uma da vozes femininas à narrar os jogos da Copa do Mundo 2018.

Nomes como os de Ana Thais Matos, Karina Amélia, Isabelly Morais, Cris Dias, Isabela Labate, Joana de Assis, Mayra Siqueira, Glenda Kozlowski, Gabriela Moreira, Fernanda Gentil, Manuela Avena, Renata Silveira, são símbolos de inclusão em um universo dominado pelo gênero masculino. O que elas representam vai muito além do trabalho que exercem, é a expressão clara de que é possível existir um ambiente igualitário que inclua a presença feminina. E, à todos os que as odeiam, que criam dificuldades, que criticam e denigrem, que não permite que elas ocupem seus lugares e que as diminui; continuem criando barreiras, elas vão derrubar todas.

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EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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