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Subi o escadão em direção ao meu barraco, mas o coração ficou lá no asfalto

Daqui há 3 meses meu pequeno vai nascer; coisa que o pequeno Arthur não conseguiu…

Logo quando termina o escadão, antes do mercadinho do Raimundo tem um campinho de futebol. Olhei e vi o nego Túlio brincando com seu pequeno. Quatro ou cinco anos tem o pivete. Pensei que aquela cena comum poderia ser o maior desejo do pai do Arthur, e também o meu….

Continuei minha caminhada. Três casas antes da minha tem a casa do Galego. De longe escutei sua senhora chorando. Galego é motorista de caminhão e virou mais um número para ser anunciado no jornal. Roubaram o caminhão da empresa onde ele trabalha e ele estava desaparecido há alguns dias.

No portão de casa encontrei nega Regina conversando com Dona Francisca. Dona Francisca estava com uma sacolinha nas mãos. Na sacolinha um pacote de açúcar, outro de café, um pouco de arroz e um punhado de feijão. Dona Francisca é funcionaria publica mas foi assaltada pelo estado e não recebeu seu salário a alguns muitos meses. Não roubaram apenas seu salário de funcionária pública, mas sua dignidade, sua honra. Seu olhar.

Entro em casa. Já esta noite. Senta na cadeira da cozinha e fico pensando. Meu povo da favela está sofrendo não pelos males daqui, mas pelas pessoas que estão no asfalto.

É no asfalto que desviaram dinheiro do estado. Foi no asfalto que roubaram e sequestraram o Galego. Foi no asfalto que mataram Arthur.

Olho pela janela e o barulho começa. Não tenho mais estrelas brilhando pra contar cada uma com meu pequeno quando ele nascer. A única coisa que brilha no céu são os tiros que cruzam de um morro para o outro.

Ligo a TV e pra minha surpresa as notícias não são essas que observei no meu caminho ate em casa.

As articulações em Brasília não são para que as estatísticas de morte venham a acabar. A tropa de choque não é para combater os roubos de carga. A prioridade não é o pagamento do povo que está atrasado. O dinheiro não é para investir em segurança publica.

Não. A prioridade das notícias é com a votação da denúncia do presidente. Denúncia essa comprovada, gravada e noticiada.

O dinheiro não é para a segurança pública, mas sim para a segurança do presidente continuar onde ele está.

O investimento não é na inteligência das polícias, mas no bolso dos deputados.

Vai começar a novela. Desligo a Tv, pois de um mundo faz de conta já me basta o que eu vi no jornal, pois o meu mundo real é bem diferente das prioridades desse de Brasília.

 

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EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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