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A luta por parir – OPINIÃO

Muitas mulheres estão vivenciando o árduo caminho em busca do parto normal no Brasil, é uma luta constante contra um sistema que diz que não somos capazes de parir.

Atualmente o Brasil vive uma epidemia de cesárea, lidera o ranking mundial com uma taxa de 52% de cesarianas, sendo o setor privado responsável por 85% e o público 40%. A Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda que, de acordo com a nossa taxa populacional, o valor de referência seria entre 25% e 30% de cesarianas.

Em 2014 a Fiocruz coordenou uma pesquisa mostrando que 70% das mulheres iniciam a gestação com o desejo de ter um parto normal, mas que poucas foram apoiadas em realizar o parto durante o pré-natal, somente 15% das mulheres tiveram o parto normal nos serviços privados.

Essas mulheres que chegam nos consultórios através do plano de saúde precisam lidar com a realidade de obstetras que desencorajam o desejo do parto normal. Para os médicos é muito mais vantajoso economicamente uma cesariana, pois eles podem agendar no melhor dia e horário sem deixar de atender no consultório. Caso fizessem parto normal, correriam o risco de ter que abandonar um dia de atendimento para receber menos tendo que acompanhar uma mulher durante horas de trabalho de parto.

Assim sendo, frases como: “Seu bebê é muito grande, tem certeza que quer ter um parto normal?”; “Parto normal é dolorido”; “É perigoso!”; “Seu peso está baixo/alto.”; “Cordão em volta do pescoço.”; e mais outras mil justificativas sem pé e nem cabeça, contribuem para a nossa taxa de 85% de cesarianas no setor privado.

Existe uma ideia errônea que construímos ao longo da história de que o médico é detentor do saber dos nossos corpos, um profissional que durante 6 anos estuda doenças e que é convocado constantemente a intervir, como pode ele ser o “paciente” no trabalho de parto? Infelizmente, muitos médicos não foram preparados para ocupar tal posição.

A participação do médico no parto data do final do século XIX, antes esse era um processo vivido entre as mulheres e com as parteiras, mulheres mais velhas que possuíam conhecimento através de suas vivências. Ao longo da história, com a expansão da medicina, alguns partos que apresentavam dificuldades o médico era chamado a intervir e assim, foi percebendo uma nova área de atuação.

O parto que antes era feito em casa junto com as mulheres passa a ser feito no hospital, espaço onde tratam os doentes, onde as pessoas muitas vezes perdem a sua identidade para virar o paciente do leito x. Com isso, aumentam o número de intervenções para controlar o corpo, medidas e procedimentos muitas vezes desnecessários. Paramos de entrar em contato com o nosso corpo e deixamos de ser protagonistas de um dos momentos mais importante de nossas vidas e dos nossos filhos.

A Organização Mundial de Saúde já possui estudos que comprovam o quanto procedimentos desnecessários podem acarretar prejuízos para a mãe e o bebê. Eles indicam que maiores taxas de cesáreas não estão associadas com redução da mortalidade materna e neonatal. Pelo contrário, quanto mais cesáreas desnecessárias maiores os riscos, quantidade de bebês prematuros, número de bebês em UTIs e maiores chances de infecções hospitalares.

Atualmente, a OMS e o Ministério da Saúde recomendam o parto humanizado comprovando seus benefícios. Uma das recomendações sugere que, mãe e bebê não devem ser separados num período de pelo menos 24 horas após o parto, isso fortalece o vínculo afetivo, favorece o estabelecimento do aleitamento e diminui o risco de infecção relacionada à assistência em serviços de saúde. Deixando de lado a ideia da incubadora e procedimentos agressivos que eram realizados anteriormente como, por exemplo, a aspiração do bebê logo após o nascimento.

Pensando nos benefícios do parto humanizado, o SUS preconiza a participação do enfermeiro durante o pré-natal e o trabalho de parto em situações de baixo risco. Esse profissional que estaria mais ligado aos cuidados durante sua formação, possibilitaria a valorização e o respeito da fisiologia das mulheres proporcionando o parto de forma natural. Eles são capazes de identificar quando algo está caminhando de forma não esperada e precisa de algum tipo de intervenção médica, colaborando para o número de intervenções somente quando necessárias.

Esse artigo tem como objetivo informar e acolher todas as gestantes e futuras gestantes, dizer que não estamos sozinhas e que somos capazes de parir, raras são as exceções. Caso você sinta que não está sendo respeitada, que sofreu algum tipo de violência durante o pré-natal ou durante o parto, você pode e deve denunciar ao Ministério da Saúde. Existem diversos grupos de mulheres no Brasil que estão unidas lutando para ter um parto respeitoso, é um direito seu!

Esta coluna é de responsabilidade de seus autores e nenhuma opinião se refere à deste jornal.

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EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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