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#Opinião: a Segurança Pública e a máscara por trás da “pacificação” promovida nas favelas

Texto: Kananda Ferreira
Foto: Bento Fábio

A negligência do Estado dentro das favelas no cumprimento de direitos provêm desde o seu surgimento, passando por diversas tentativas de remoção, criminalização e chacinas cometidas por agentes públicos (que são homenageados ou promovidos). De lá pra cá, o tempo passou, mas essa omissão tem se mostrado cada vez mais explícita quando se trata de Segurança Pública nesses espaços. Um direito constitucional e impessoal que deveria ser estendido não só para o asfalto, mas também para quem vive nas favelas.

Entretanto ele se distancia cada vez mais através da inserção de uma política de controle social em prol de interesses políticos, econômicos e sociais. Uma ausência que se tornou uma presença desastrosa, cuja pacificação entra com balas perdidas e sai com corpos achados em nome da lei e da soberania nacional.

Uma segurança momentânea que, na prática, transformou o Rio em um laboratório cujo conceito de “guerra” foi inventado para legitimar o uso da força através da violência como uma “solução”, cometida na retirada de direitos fundamentais nas periferias e na projeção da sociedade do medo. As incursões policiais (com o uso de Caveirões, snipers, helicópteros com atiradores e armas bélicas pesadas) colocam o policial como o “julgador e executor” da lei e estimula uma série de violações e execuções de pessoas (seja envolvidas ou não).

A desumanização dessas vidas, concretizada ainda mais dentro das instituições da PM pelo ensino, se dá pela tortura como um modo de extração de uma verdade e pela não realização das perícias para elucidação e investigação das causas, em grande parte cometidas pela remoção dos corpos por policiais ou a dificuldade na entrada da Defesa Civil por conta do clima tenso deixado pelas ações.

A ineficiência por trás do gasto elevado do dinheiro público nas propagandas do Governo voltadas para essa área e a falta de planejamento instigaram uma série de operações fatais e brutais interligadas a uma vingança. Os traumas psicológicos deixados, a injustiça perante a banalização das mortes (justificadas por mero engano, legítima defesa, medo ou acidente e legitimadas por falas de autoridades públicas), a paralisação de serviços públicos e civis em risco de vida iminente (tanto fora quanto dentro dos territórios marginalizados) são sequelas graves de uma política que usa os direitos humanos como moeda de troca em nome de uma proteção seletiva que mata.

A guerra à favela coloca ela como se fosse o problema da violência na cidade quando, na verdade, existe uma centralização do ódio e da marginalização por trás da justificativa de guerra ao tráfico/drogas/armas. A inclusão da violência da exclusão se interliga ao agravamento da desigualdade social e racial, a extensão da corrupção por trás da revenda de armas, drogas e munições e fortalecimento de uma hierarquia de poder sobre o outro, ligado a meritocracia e o racismo

Foto: Bruno Itan

A ampliação dessa agonia cotidiana, vivida por quem mora na favela, se estende para a cidade e mostra o quão longe está o cessamento de uma violência decorrente de um abismo social histórico no país em relação ao desenvolvimento e acesso à cidadania. Uma população semeada no ódio e na despolitização e corrompida pelo medo em prol de interesses políticos e econômicos para subversão da democracia. Se silenciar diante dos gatilhos é colaborar com essa política genocida e enraizador de consequências de um passado ligado a escravidão. Tal direito constitucional nas favelas se volta como uma necessidade histórica de humanização e potencialização de protagonistas capazes de criar, refletir, intervir e ampliar as suas narrativas dentro dos ambientes acadêmicos e da gestão política como cidadãos plenos de direitos e deveres.

Através de coletivos, ONGs, projetos sociais e dos próprios moradores, as favelas se mostram cada vez mais como a solução e agentes da sua própria existência, não o problema e uma ameaça social. A apropriação da lei (como a Ação Civil Pública – ACP, na Maré) e da tecnologia como uma ferramenta de diálogo para reafirmar a integridade de vidas também é importante para expôr os problemas e a necessidade de se discutir com a cidade sobre as suas obrigações.

A mobilização e articulação de debates sobre os planos de segurança, que não nos protegem, e seus impactos é defender os nossos direitos e a deslegitimação da persistência de massacres realizados pelo Estado por meio da sua responsabilidade. Não dá para afirmar que os lugares mais seguros são aqueles que têm mais policiais, mas sim onde se tem mais acesso à justiça e serviços sociais voltados ao desenvolvimento a partir de políticas públicas que pautem a dignidade, o respeito, a cidadania e a autonomia.

Projeto Mão na Lata \ Foto: Kananda Ferreira

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EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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