Pesquisar
Close this search box.
Pesquisar
Close this search box.

Moradora do Alemão supera preconceito e trabalha com reciclados na comunidade

Fernanda Costa abriu o espaço na localidade do Canitar há cerca de dois anos e, desde então, orgulha-se do que faz
Foto: Selma Souza / Voz das Comunidades
Foto: Selma Souza / Voz das Comunidades

“Ferro velho, peça de motor, sucateira! Assim era uma das cenas da novela Rainha da Sucata, sucesso da Rede Globo. Nos anos 90, a história tinha como personagem Maria do Carmo que, antes de conseguir sucesso financeiro, trabalhava com reciclados. O início da obra surgiu em uma época em que o Brasil passava por uma crise financeira e política, o que afetou a vida de muitos brasileiros. 

Vamos para 2022. 

Ela se chama Fernanda Costa. Tem cabelos ruivos, unhas decoradas e muito bem cuidadas. Dona de um sorriso largo e de uma personalidade tímida, depois de se sentir mais à vontade, preparou-se para o que estava por vir: sua história também vai ser contada para o Voz das Comunidades. Maquiada e de sobrancelhas feitas, a mulher, que é dona de um ferro velho, no Complexo do Alemão, abriu o local há cerca de dois anos. Atravessou crise do país, viveu a pandemia, mas, apesar de tudo, não se deu por vencida. 

Fernanda começou o trabalho junto com o marido
Foto: Selma Souza / Voz das Comunidades

A empreendedora trabalha e mora no Canitar. Veio do Piauí com apenas 20 anos e encontrou a sua independência em materiais que muitas pessoas destacam e chamam de lixo. No espaço, é possível ver geladeiras velhas, fogões quebrados e um tanto de coisas que serão reaproveitadas. “Eu compro reciclagem, não lixo!”, disse uma vez para uma conhecida. Segundo ela, a colega ficou espantada ao ver Fernanda amarrando os sacos em que ficavam os produtos comprados. 

Ela é o contrário do imaginam. A surpresa de algumas pessoas é causada pela presença da empreendedora que sempre foi muito vaidosa. O preconceito ainda é forte com quem tira o sustento vindo dos materiais recicláveis e até o marido pensou que ela não ia se acostumar com a vida no ferro velho. 

“Ele falava: ‘será que você vai aguentar trabalhar lá?’ Eu falei pra ele que sim. Já sofri preconceito no começo. Uma colega passou de moto em frente ao ferro velho. Porque quando é fim de tarde, nós amarramos o Bergue (saco em que fica os reciclados) e arrumarmos o ferro velho pra não deixar bagunça. Aí ela passou de moto e me viu fazendo isso. Ela me mandou uma mensagem pelo Whatsapp dizendo: ‘Que isso, amiga, você está catando lixo agora?“.

Após a mensagem, ela precisou explicar o que fazia. “Eu não cato lixo, esse é meu trabalho”. Mas Fernanda não nega que, no início do negócio, a vergonha era grande. Hoje, com orgulho, afirma que trocou de carro. Agora, outro ferro velho será aberto em Barros Filhos, na Zona Norte do Rio. Além disso, o novo plano inclui comprar uma casa com um espaço maior. Mas, diz que pretende continuar morando no Alemão. 

O preconceito não impediu Fernanda de crescer.
Foto: Selma Souza / Voz das Comunidades

Tudo pela família

A empreendedora também fala com carinho de sua família. Emocionada, lembra do período da infância difícil e diz que sempre batalhou para que os três filhos tivessem uma vida melhor que a dela. “Meus filhos têm muito orgulho de mim por ser uma mulher guerreira. Isso eles falam todo dia”. E, os sacrifícios que ela faz, não são em vão. Fernanda começou a trabalhar com apenas nove anos, como babá. Mas, um episódio a deixou traumatizada, quando apanhou na casa das pessoas onde trabalhava quando era criança. 

“Eu não gosto nem de lembrar. Eu trabalhava em uma casa que eu tomava conta de duas crianças e uma criança não queria comer. Aí ela me bateu. Não gosto nem de lembrar”, relata, com lágrimas nos olhos. 

Após a agressão, a ex-babá teve que aguentar ainda as humilhações no trabalho, pois morava no local. Só voltou para casa quando o patrão retornou de viagem e a levou embora. “Eu não sei ler, não sei escrever, porque eu tive que trabalhar muito cedo”, relata. Eu fui do Piauí para Fortaleza, para cuidar dos filhos deles, com 9 anos”, completa a mulher. 

No Rio, Fernanda também trabalhou na casa de outra família durante 15 anos. No entanto, a relação deles foi diferente. Ali ela conseguiu ser mais respeitada e viu as duas crianças crescerem. “Eu tenho um carinho muito grande por eles”, revela. Porém, depois de mais de uma década, ela quis sair do trabalho, decisão que também foi tomada pelo marido. Assim, juntaram as economias e alugaram o espaço onde hoje fica o ferro velho. “No começo, a gente pensou que não ia dar certo, porque no começo tudo é difícil. Mas depois tudo se ajeitou”. 

Fernanda não para por aí: quer abrir uma loja de roupas. Para quem saiu do Piauí muito nova, foi vítima de trabalho infantil e não conseguiu baixar a cabeça para as desigualdades e violências pelas quais passou, ela afirma que tem muito orgulho da sua história. E que história!

Compartilhe este post com seus amigos

Facebook
Twitter
LinkedIn
Telegram
WhatsApp

EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

Contato:
[email protected]