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Por conta do CEP, moradores de favela relatam dificuldades para conseguir emprego

Muitos reclamam que empresas não contratam devido ao local de moradia, além do preconceito de cor
Foto: Selma Souza / Voz das Comunidades
Foto: Selma Souza / Voz das Comunidades

O desemprego assola a vida de muitos brasileiros e isso se intensificou durante os últimos dois anos, por conta da crise que a pandemia gerou. Dentro dessa realidade, pessoas que moram nas favelas do Rio de Janeiro reclamam das dificuldades que é ter o CEP identificado com o que chamam de “área de risco”. Além disso, dados mostram que os contratantes ainda usam como pré-requisito para selecionar um candidato a sua raça ou etnia.

De acordo com o IBGE, o número de pessoas que perdeu o trabalho entre o 1º e o 2º trimestre de 2020 foi de 8,8 milhões. Do total, 6,3 milhões eram pessoas pretas e pardas, o que corresponde a 71,4% (40,4% mulheres e 31% homens). Enquanto 2,5 milhões de pessoas brancas perderam seus empregos neste período. Ou seja, muito menos da metade. 

Já nos dois primeiros trimestres de 2021, 2,9 milhões de pessoas negras retornaram ao mercado de trabalho, ou seja, 47% comparado ao mesmo período de 2020. Ao mesmo tempo que 59% de pessoas brancas também retornaram, 12% a mais.

Segundo o Instituto Locomotiva, dos 17,1 milhões de brasileiros residem em favelas, 67% deste número são pessoas pretas e pardas. Ainda, somente 26% dos moradores de favela trabalham com carteira assinada e 54% ficaram desempregados durante a pandemia. É o que mostram os dados da pesquisa “Coronavírus nas Favelas: a Desigualdade e o Racismo sem Máscaras”.

Ana Maria, de 61 anos, é nascida em Recife, mas criada no Alemão desde os seus 3 anos de idade. Há mais de 5 anos Ana está desempregada e ainda não conseguiu se aposentar. Seu último emprego foi como copeira terceirizada no hospital do IASERJ (Instituto de Assistência dos Servidores do Estado). Antes, ela era costureira. Ana contou, ainda, que está terminando seus estudos e este ano vai concluir o ensino médio. 

Ana Maria, 61, é nascida em Recife, e criada no Complexo do Alemão desde os seus 3 anos de idade.
Foto: Selma Souza/Voz das Comunidades

Ana já teve que morar por três anos e meio com uma tia, em Irajá, para conseguir um trabalho. Perguntada sobre ver como algo normal essa mudança de endereço, ela diz que não. “Eu sofria muito com isso, muito! Muitas das vezes eu chorava muito. A gente tinha que colocar o endereço dos outros e isso faz com a gente se sinta muito humilhada, porque colocava o endereço de lá, mas ia embora da firma e vinha embora para casa. Ia ficar vivendo para sempre na casa dos outros?”, relembrou. 

“E é muito mais difícil se você for negro. Eu acho que, por mais que a gente lute, de repente um bisneto meu possa até assistir acabar o racismo, mas agora sinto que não. É muito triste, não gosto nem de falar disso”, se emociona, com os olhos marejados ao tratar do assunto.

Alcir de Oliveira, de 36 anos, é nascido e criado no Alemão. Com ensino médio completo, ele já fez curso de informática e também de eletricista. Seu último emprego foi no almoxarifado de uma empresa e atualmente está sem trabalhar formalmente há mais ou menos um ano. “Atualmente estou como biscate em uma obra. Biscate é o que chamamos de emprego informal, sem carteira assinada”, contou ele. 

Alcir de Oliveira, de 36 anos, é nascido e criado no Alemão
Foto: Selma Souza/Voz das Comunidades

“Se a gente falar que mora no Complexo do Alemão, ou qualquer outra favela, é muito difícil arrumar emprego. A gente faz a entrevista, preenche os requisitos que a empresa quer, mas quando a gente dá nossos dados, principalmente o CEP, pedem para aguardarmos em casa. E esse ‘aguardar para ser chamado’ nunca acontece”, relata, acrescentando que já fez entrevistas em algumas empresas em que não colocou o endereço de sua casa por esse motivo. “Aí, eu fui chamado em uma. Trabalhei quase dois anos escondendo essa informação”, completa.

“Nós que moramos em comunidade e somos negros sentimos e vemos essa discriminação, tanto no tom da pele quanto da localidade que você mora. Acho que se morássemos na Zona Sul, talvez estivéssemos empregados. Mas, eles acham que todo mundo que mora em comunidade faz o mal e, pelo contrário. A culpa não é da comunidade! A culpa é dos contratantes”, refletiu. 

Procurada pela equipe de reportagem, a Secretaria de Trabalho e Renda informou apenas que atua tanto na captação de vagas de emprego como na capacitação e qualificação do trabalhador carioca. Além disso, segundo eles, há alguns projetos ou ações que focam na inserção do cidadão no mercado de trabalho. São eles: Forma Rio; Emprega Rio; Plataforma PROA; Geração Crescer; Firjan/Senai.

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  • Forma Rio – Voltado para cariocas em situação de vulnerabilidade e desemprego. Podem participar jovens a partir de 14 anos; 
  • Emprega Rio –  Ação itinerante que inclui a captação de vagas exclusivas na região onde são realizados  eventos promovidos pela Prefeitura como o Favela com Dignidade;
  • Plataforma PROA – Cursos online para jovens entre 17 a 22 anos.  Foco no primeiro emprego. Em formato 100% digital e gratuito. Ao final, os alunos que concluírem estarão aptos para participarem de processos seletivos para vagas de posições de início de carreira e primeiro emprego;
  • Geração Crescer –   Podem participar das trilhas de cursos online jovens acima de 18 anos, adultos e pessoas com mais de 60 anos. A plataforma conta com cursos de Comunicação e Expressão, Educação Financeira, Inglês Básico, entre outros. Os cursistas são indicados como candidatos qualificados para as vagas ofertadas pelas empresas parceiras de diversos setores;
  • Firjan/Senai: Cursos gratuitos profissionalizantes de longa duração. 

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PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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