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#Entrevista: Tuany Nascimento, criadora do projeto “Na Ponta dos Pés”

Ela nem imaginava no que estava se metendo e que logo mudaria a vida de diversas meninas do Morro do Adeus, onde vive desde que saiu de Salvador com sua família após o divórcio dos seus pais, quando ainda era um bebê de 2 anos. O ano era 2012 e Tuany Nascimento tinha apenas 19 anos quando foi avisada que tinha criado um projeto social, assim, sem perceber, enquanto treinava sozinha na quadra do morro sua maior paixão: o balé clássico. Aos 25 anos a jovem professora do Na Ponta dos Pés, que forma e inspira mais de 50 meninas, conta para o Voz das Comunidades sobre seus projetos e planos.


De onde surgiu esse bom humor? Você sempre foi assim, uma pessoa feliz? 
Tuany Nascimento: Da vida! Eu tô viva! A gente tem que rir das coisas ruins que acontecem. Já aconteceu, agora é só rir que logo vem algo bom. Não me considerava uma pessoa muito feliz no passado. Odiava bagunça, sentava lá na frente com a cara triste e acho que eu era bem chata. Só me tornei feliz quando me descobri como pessoa, como mulher, como dançarina… Acho que a dança me levou a isso e hoje levo a vida de forma mais leve.

Onde começou seu primeiro contato com a dança?
Tuany Nascimento: Foi aos 5 anos, na Vila Olímpica da Maré, mas só fui me tornar profissional quando tinha uns 14 anos. Antes disso era só uma atividade que fazia além da escola. Minha maior inspiração foi a professora Michele Sandis, professora de balé na Vila do Alemão, onde fiz ginástica rítmica e nunca mais parei.

Conta pra gente um pouco do seu projeto Na Ponta dos Pés?
Tuany Nascimento: O projeto Na Ponta dos Pés trabalha com meninas da Comunidade do Adeus entre 3 e 18 anos visa formar e transformar através da dança. O projeto circula em mim 24h por dia e as aulas acontecem três vezes por semana, às terças e quintas-feiras (manhã e tarde) e aos sábados durante toda a amanhã, a partir das 8h. O Na Ponta dos Pés surgiu de forma espontânea, a partir do interesse das meninas aqui do morro. Eu saia do trabalho e ia treinar sozinha na quadra, deixava o celular tocando as músicas e logo percebi algumas meninas olhando, até o dia em que perguntaram o que eu estava fazendo. A gente não tem esse tipo de arte aqui, o que as deixou curiosas. Comecei a ensinar umas sete meninas despretensiosamente e, em menos de três meses, já tomava conta de um grupo com 50 meninas.

E em que momento você descobriu que o que fazia era um projeto social?
Tuany Nascimento: Quando o projeto começou eu não sabia nem o que era um projeto social, não tinha noção do que era e nem sabia lidar com isso. Fui aprender no dia em que um policial da UPP informou ao comandante que eu estava dando aula na quadra e fui chamada lá na base. Cheguei lá cheia de medo, imaginando que estava fazendo algo errado. Perguntaram o nome do projeto, quantas meninas dançavam e se a gente podia se apresentar num evento do teleférico. Naquele dia tive a noção do que estava construindo. 

Quem vem conhecer o Na Ponta dos Pés percebe o carinho que você tem com todas as bailarinas e, além das aulas, é possível perceber que existe uma relação fraternal. Como é a sua relação com as famílias, tanto a sua, como a das meninas?Tuany Nascimento:  Antes de tudo eu quero dizer que a minha mãe é maravilhosa e hoje ela não é só minha, mas divido ela com todas. Tenho uma relação muito boa com a minha família. Moro com minha mãe, meus irmãos e meu padrasto. Nos ajudamos muito e todos se sentem parte do projeto e tenho o apoio das minhas irmãs para coordenar.
A questão de relacionamento com os responsáveis demorou um pouco, já fiquei meses com uma criança sem nem ao menos saber quem era o responsável por ela. Conforme a convivência, comecei a ter uma parceria como se eu fosse a irmã mais velha de todas. Presto atenção na escola, dou bronca e conselhos. 

Para muitos a dança é um hobby, mas para você é ideologia de vida. Conta um pouco mais sobre o que você faz quando não está instruindo as meninas?
Tuany Nascimento: Como sou formada em Educação Física, dou aula particular para complementar a renda e atualmente estudo Afro Black na Companhia de Bailarinos Urbanos da Favela, que mistura dança urbana, como passinho e samba, com a dança afro. As aulas acontecem todo domingo às 10h na Arena Dicró. Então de domingo a domingo estou envolvida na dança. Não tem como escapar.

Quem te conhece sabe que você gosta de um pagode e tem o pé plantado no Cacique de Ramos. Fala mais da Tuany no dia a dia, fora o lado professora. Que tipo de coisa você curte fazer? 
Tuany Nascimento: Gosto de baile charme e acho que agora adoro o Konteiner também (risos). Amo me arrumar, sou bem vaidosa. Eu sou legal, às vezes ando na rua e, por ter essa postura de bailarina, me chamam de metida. Muitas pessoas acham que sou séria, centrada. Sim, eu sou, mas só aqui no projeto. Tenho uma fama de rígida aqui na aula, mas na real levo a vida muito leve e faço os outros rirem. Amo comer batata frita e estou solteira. Ah! Posso aproveitar para deixar um recado? “Obrigada por ter saído da minha vida. Foi a melhor coisa que me aconteceu”.

Fiquei sabendo que está se preparando para viajar…
Tuany Nascimento: Em novembro vou para a Grécia, onde ficarei por quatro meses com a equipe de dança. Estou muito animada porque não quero ser só a professora, por isso voltei à minha versão de bailarina. Pretendo me especializar nas danças urbanas, mas tenho o corpo técnico de balé clássico e expandir e não é fácil. Não sou uma bailarina mega bem-sucedida, mas o que eu tenho já me deixa feliz. É muito bom poder levar a minha arte para quem quer ver.

E essa história de que você quase foi a Globeleza 2014?
Tuany Nascimento: Um olheiro me encontrou e participei da seleção. Na época foram 4 mil meninas inscritas e fiquei entre as 10 finalistas e participamos do programa Fantástico. Fiquei cerca de 1 mês confinada, onde tivemos aulas para sambar com a particularidade Globeleza, pois ela tem toda a elegância, e workshop com Carlinhos de Jesus. Fiquei até a quinta prova e foi uma experiência para perceber que o mundo artístico desse nível não é algo que estou procurando. É um glamour que não me satisfaz, mas foi bom vivenciar e ter contato.

“Ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro”: Acabou de ser lançado o clip AMARelo, do rap Emicida, que foi gravado no Morro do Adeus e o Na Ponta dos Pés está muito presente. Como foi essa experiência?
Tuany Nascimento: Foi uma das coisas mais incríveis que já fizemos. Não por ser um clipe, mas pela força que tem a letra, pela potência do artista que é o Emicida. É o peso enorme falar sobre todos esses temas atualmente. Este grito de resistência, de mostrar que não somos um padrão de estereótipos criados e impostos para nós. Saber que faço parte deste clipe é a minha forma de resistir.

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PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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