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Josiane Santana: “Eu quero fotografar a resistência pela beleza”

No dia do fotógrafo, conheça a história de Josiane Santana, cria do Complexo do Alemão | Foto: Stella Ribeiro
Foto: Stella Ribeiro
Foto: Stella Ribeiro

Não era previsto. Na verdade, sequer passava pela sua cabeça que um dia a fotografia seria um trabalho. O horizonte que se colocou no início de 2013 foi se mostrando potencial na medida que se deixava afetar por ele. Josiane Santana enfrentava uma profunda depressão que quase tirou-lhe a vida. Para retomá-la: tempo e paciência, sobretudo consigo, para compreender que o período de  instabilidade emocional, no final das contas, era necessário. O desalinho transformou o desconcerto em causa de viver. A vida, que por muito tempo parecia assombrosa e sem sentido, foi se tornando encantadora. Fotografando há quase 8 anos, Josiane se vale de fotografias para reafirmar que a favela é potência. 

A vida estava uma verdadeira bagunça. Após o fim do casamento, o mundo de Josiane desestruturou-se. Seu filho, Pietro, tinha acabado de completar um ano de idade. Agora, era só ela e ele, e as muitas inquietações e perguntas sem resposta sobre o que fazer. A vida foi posta em xeque inúmeras vezes e ela quase a retirou. Na contramão disso, encontrou nos amigos e família energia para seguir. Foi quando começou a trabalhar na Nave do Conhecimento como recepcionista e novas oportunidades surgiram. Ali, cursos voltados para áreas tecnológicas, empreendedorismo e fotografia eram oferecidos gratuitamente.

O vai e vem das pessoas com as câmeras a incomodava.  Não de modo ruim e sim a instigá-la a saber mais sobre o que as possibilidades da câmera e, afinal, que efeito causava em que a manuseava. As aulas práticas eram no lado externo da Nave, junto aos moradores. “Eu também quero segurar essa câmera”, pensou.  Assim que pôde, inscreveu-se no processo seletivo- que consistia em um sorteio público. Tirou a sorte grande e conseguiu passar. No decorrer do curso, que durou seis meses, percebeu que a fotografia não era só um hobbie que a ajudava na superação das angústias.  A fotografia era a profissão que queria exercer.

“Quando percebi que era uma oportunidade para mim, comecei a correr atrás. Antes do curso terminar eu já tinha minha câmera”, relembra. A partir de então foi fazendo diversos cursos para se aperfeiçoar e aprender novas técnicas. Talvez, por isso, Josiane seja enfática ao dizer: fotografar não é só apertar o botão.  É preciso estudar para compreender as funcionalidades que a câmera apresenta e, assim, tirar o melhor proveito dela.   

Mergulhando nos livros, também entendeu que as narrativas que suas fotos criavam eram do gênero documental, ou seja, representam locais, situações, acontecimentos do dia dia até mesmo catástrofes com sensibilidade. Josiane ressalta que no início registrava sem racionalizar muito bem o que fotografava. “Quando você começa a fazer, você somente começa, não entende muito bem o que está fazendo. Depois de um tempo você começa a entender o seu trabalho, do que gosta, suas referências”, explica. 

O COTIDIANO

A lida com a fotografia e a aproximação com a arte adicionou novos entendimentos sobre a política, o respeito ao outro e a complexidade humana. “Eu tinha a mente muito fechada”, reflete. O desabrochar também mudou a visão sobre o seu território, o Complexo do Alemão. Perdi as contas de quantas vezes Josiane repetiu durante a entrevista que “a favela é potência”. Em comum, todas elas carregavam  sinceridade e alegria de morar em um lugar onde a fé na vida impera. Há esperança e luta incessante diante das adversidades. 

O cotidiano, que por vezes é resumido à repetição de ações involuntárias e à banalidade é, para ela, objeto de contemplação. É através das situações mais corriqueiras que decorrem os cliques mais fascinantes. “Eu quero fotografar a resistência pela beleza”, ela afirma. Na prática, Joseane exalta os sorrisos dos pequenos banhando-se com o balde, a jovem que celebra o término da graduação, as cambalhotas da criançada no pula-pula, a luz que ilumina o beco.

A fotografia é uma representação de algo. Não corresponde à realidade propriamente dita, mas é capaz de construir nosso entendimento do que se é retratado. No caso de favelas, os estereótipos que tentam defini-la em geral são criminalizantes, pejorativos, inferiorizantes. Um lugar que gera repulsa e onde se pode desrespeitar. A truculência e a opressão podem ser utilizadas como a solução dos problemas de uma sociedade marcada por preconceitos e segregações. Quando perguntei o intuito da fotografia de Joseane, ela me disse que era justamente desfazer esses emaranhados de inverdades.

Muito por conta disso, nos últimos três anos, tem se dedicado ao Favelagrafia, projeto que reúne 9 fotógrafos de diferentes favelas do Rio e  propõem recriar o olhar sobre ela. Em 2019, o time expôs no MAM, o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, pela segunda vez. 

Para os próximos anos, Josiane pretende seguir com os mesmos propósitos: aventurar-se pelo mundo com a sua câmera e fotografar comunidades quilombolas e aldeias indígenas. Sempre se esforçando para que as pessoas olhem para o seu trabalho, conectem-se com ele e compreendam a mensagem  proposta. Com o sorriso no rosto, Josiane agradece à fotografia por tanto. 

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EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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