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OPINIÃO |“Educação não é mercadoria”

Foto: Gabi Coelho/Voz das Comunidades

No dia 30 de abril, o Ministério da Educação (MEC) anunciou o corte de 30% em verbas de custeio e investimentos de três universidades públicas: a Federal Fluminense (UFF), a Federal da Bahia (UFBA) e a Universidade de Brasília (UnB). Em entrevista ao jornal Estado de S.Paulo, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, justificou o corte alegando que o desempenho acadêmico destas universidades não era satisfatório:  “Universidades que, em vez de melhorar o desempenho acadêmico, estiverem fazendo balbúrdia, terão verbas reduzidas. A lição de casa precisa estar feita: publicação científica, avaliações em dia, estar bem no ranking”.  

Apesar da declaração, o Ministro não indicou em qual ranking baseou-se, sendo que um dos principais rankings em avaliação de ensino superior no mundo, a publicação britânica Times Higher Educations (THE), mostra que a Unb e a UFBA ocupam, respectivamente, o 16 e 30 lugar entre as melhores universidades da América Latina. Já a UFF está em 45. A  balbúrdia, à qual Weintraub referiu-se, seria: “sem-terra dentro do campus, gente pelada dentro do campus”, bem como eventos políticos, manifestações partidárias ou festas inadequadas ao ambiente universitário demonstrariam que “a universidade deve estar com dinheiro de sobra para fazer bagunça e evento ridículo”. 

Após a declaração do corte de verbas, o governo recebeu duras críticas. Em nota, a UnB informou: “Importante ressaltar que a UnB é uma das universidades com reconhecida excelência acadêmica no país, atestada em rankings nacionais e internacionais. Temos nota 5, a máxima, no Índice Geral de Cursos (IGC) do MEC, a avaliação oficial da pasta para os cursos de graduação.” A Universidade também reforçou que não promove eventos de cunho político-partidário em seus espaços: “Como toda universidade, é palco para o debate livre, crítico, organizado por sua comunidade, com tolerância e respeito à diversidade e à pluralidade”.

O reitor da UFBA, em entrevista ao portal G1, comentou: “Eu não sei o que motivou esse tipo de comentário, porque essa noção [de balbúrdia] não se aplica à Ufba. Somos um espaço democrático e de liberdade de expressão, que promove um ensino de qualidade e um debate cuidadoso de temas de relevância para a sociedade. Não posso imaginar o que levou a tal tipo de observação”. A Federal Fluminense, por meio de nota, frisou: “A qualidade da UFF é atestada pela pontuação máxima (5) no conceito institucional de avaliação do MEC e temos o maior número de alunos matriculados na graduação entre todas as universidades federais.”

 A decisão do corte no orçamento das três universidades repercutiu imediatamente nas comunidades acadêmicas e nas redes sociais. Ainda assim, no mesmo dia, o MEC estendeu o bloqueio de recursos para todas as universidades federais do país. Na prática, 1,7 bilhão de reais foram bloqueados na Educação Superior para o segundo semestre deste ano. O bloqueio atinge despesas classificadas como discricionárias, ou seja, gastos não obrigatórios divididos em duas frentes: uma de custeio e outra de investimentos. Enquanto a primeira incide sobre os gastos de manutenção, como: contas de luz, bolsas acadêmicas, terceirizados, utensílios para pesquisa, dentre outros. A segunda engloba obras e compra de equipamentos.  

“Tira a tesoura da mão e investe na educação!” Foto: Gabi Coelho/Voz das Comunidades

 Logo quando o anúncio dos cortes foi feito, duas palavras foram muito utilizadas: bloqueio e contingenciamento. O que de fato será aplicado é o bloqueio do orçamento das universidades, chamado de “contingenciamento”. O bloqueio foi justificado pelo governo como necessário, sob o argumento de que a receita prevista para este ano não seria suficiente para cobrir investimentos na educação. No dia 7 de maio, houve uma audiência no Senado na qual o Ministro da Educação, Abraham Weintraub, disse que os recursos “contingenciados” poderiam ser liberados caso a Reforma da Previdência fosse aprovada e se a economia melhorasse no segundo semestre.

As incertezas em torno das verbas são alarmantes e preocupantes, principalmente porque colocam as universidades em condições precárias para funcionamento, quando este for possível. Em nota publicada no dia 3 de maio, a Universidade Federal do Rio de Janeiro, a UFRJ, destaca que perdeu 114 milhões de reais e que, caso não haja suspensão do corte, antes do segundo semestre deste ano a rotina das atividades acadêmicas estará comprometida. “Em relação aos cortes anunciados nesta semana, a UFRJ buscará interlocução com o Governo Federal e o Congresso Nacional, com objetivo de impedir a interrupção ou comprometimento de atividades de ensino, pesquisa e extensão universitária na graduação, pós-graduação, Colégio de Aplicação, educação infantil e unidades de atendimento hospitalar.”

Em entrevista para o Voz das Comunidades, a professora Kathiuça Bertollo, do departamento de Serviço Social da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) e membra da Associação dos Docentes da universidade, destaca que o quadro atual de perda de direitos está relacionado a um contexto mais amplo que reage às conquistas da classe trabalhadora ao longo dos últimos anos. “A educação, a saúde, a assistência social a previdência social, dentre outras políticas sociais são o alvo do capital no sentido de mercantilização do acesso, ou seja, de ofertar a partir da compra e venda, não mais enquanto ações públicas e de direito social. A realidade que vivenciamos historicamente no Brasil está muito distante de qualquer referência de acesso universal, por mais que em algumas políticas sociais isso esteja garantido na letra da lei.”

  Assistência estudantil em risco

As universidades públicas possuem programas de auxílio de custos a estudantes em vulnerabilidade socioeconômica. A bolsa de permanência, que prevê ajuda de custos de 400 reais mensais, pode ser solicitada por alunos que tenham renda per capita de até 1,5 por pessoa. Indígenas e quilombolas que vivem em comunidades reconhecidas podem receber 900 reais de auxílio-financeiro. Além desta bolsa, há faculdades que dispõem de alojamentos para alunos morarem, auxílios para transporte, refeição, compra de livros entre outras assistências que tentam viabilizar que o aluno consiga estudar, independente da sua situação financeira.  

Segundo dados da V Pesquisa do Perfil Socioeconômico dos Estudantes Federais, realizada pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), 70,2% dos estudantes possuem renda familiar média de 1,5 salário mínimo e 30% participam de algum programa de assistência estudantil. As mais frequentes são de alimentação, moradia, transporte e permanência. Com a redução de 30% dos  recursos para educação, as políticas de auxílio aos estudantes ficam em risco já que fazem parte das ditas “despesas discricionárias”. 

 A Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, a UFRRJ, por meio de nota, frisou o quão perigoso é o corte e o risco para o Programa Nacional de Apoio Estudantil (PNAES): “Missões de trabalho e estudo, manutenção predial, transporte, telefonia, aquisição de equipamentos, ampliação do número de bolsas, material de expediente, impressoras, eventos, diárias e passagens, entre outras demandas, serão fortemente impactados. Comprometemo-nos em manter as ações ligadas ao PNAES, como o apoio aos restaurantes e manutenção das bolsas e auxílios, bem como demandas associadas à docência e formação de nossos estudantes e servidores. Apesar de nos últimos dois anos passarmos os recursos do PNAES de nove para 11 milhões anuais, a manutenção dependerá de remanejamentos de outras rubricas.”

PESQUISA EM RISCO | Foto: Gabi Coelho/Voz das Comunidades

A universidade pública possui um tripé: ensino, pesquisa e extensão. É na pesquisa, ramo encarregado de desenvolver uma tecnologia ou descoberta dentro de algum campo de conhecimento, que o alicerce do ensino constrói-se. Dessa maneira, a Física, a História, o Jornalismo, a Pedagogia  e a Veterinária, por exemplo, produzem investigações na tentativa de acrescentar algo para o mundo. Em 2018,  pesquisadores da UFMG descobriram o maior vírus já  identificado no planeta, o Tupanvírus. Estudos como esse ajudam  no desenvolvimento de testes e diagnósticos mais eficazes para doenças como a Dengue. 

 Na Unicamp, pesquisadores da Faculdade de Ciências Farmacêuticas descobriram que o vírus da Zika pode ajudar no tratamento de tumores no cérebro.  Essas e outras milhares de pesquisas desenvolvidas ao redor do Brasil, são de extrema importância para resolver problemas sociais, ambientais, políticos e econômicos no país. 

Entretanto, para que as pesquisas possam existir, é necessário que se tenha laboratórios adequados, investimentos em viagens, livros assim como no sustento do pesquisador. Existem diversos órgãos ligados ao Ministério da Educação para fomentar pesquisas. Entre às Fundações de Amparo, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) é responsável pelo fomento da pesquisa científica e tecnológica e à formação de recursos humanos para a pesquisa no País tanto para estudantes de graduação como pós.

A Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) nesse sentido, anunciou  a suspensão das bolsas de mestrado e doutorado a estudantes selecionados para novas pesquisas em 2019. Para o mestrado, a bolsa é de R$ 1,5  mil mensais, enquanto no doutorado é de R$ 2,2 mil. É mais uma tentativa de impedir a construção do pensamento crítico e tecnologias que permitam o desenvolvimento humano. Segundo a professora Kathiuça Bertollo: “São expressões dos cortes: a diminuição do número de bolsas de estudo seja de Iniciação científica, mestrado, doutorado e até mesmo de pós-doutorado. A não possibilidade de aquisição de equipamentos e materiais necessários para o desenvolvimento de pesquisas ou até mesmo a manutenção de pesquisas que já estão em andamento”. 

A professora Kathiuça Bertollo, ressalta ainda, a preocupação e que as consequências serão imediatas e de amplitudes expressivas negativamente. Se dará no sentido de redução, beirando a extinção de qualquer conhecimento construído e posicionado a interesses que não sejam os de mercado, o da busca de lucro, o dos grandes grupos econômicos. São expressões dos cortes: a diminuição do número de bolsas de estudo seja de Iniciação científica, mestrado, doutorado e até mesmo de pós-doutorado. A não possibilidade de aquisição de equipamentos e materiais necessários para o desenvolvimento de pesquisas ou até mesmo a manutenção de pesquisas que já estão em andamento.

Educação é o alicerce de qualquer sociedade comprometida em desenvolver e crescer. Desde a divulgação dos cortes, dois grandes atos (#30M e 14 de junho) de abrangência nacional foram mobilizados ao redor do Brasil. No primeiro deles, durante o momento do microfone livre, uma criança de 7 anos o pegou e disse: “Eu quero estudar. É o meu direito. Quero ajudar a construir um país mais justo, com menos pobreza. Eu quero estudar”. Ovacionada pelo protestantes, penso que todos nós compartilhamos do mesmo sentimento. Não lutar por um direito básico da sociedade é nos auto boicotar e desvalorizar todo esforço realizado ao longo das décadas pela garantia do ensino superior gratuito, público e de qualidade. 

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EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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