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OPINIÃO | O que é a política de guerra às drogas?

Segundo levantamento do Instituto de Segurança Pública (INSP), de janeiro a agosto de 2019, a taxa de homicídios dolosos no estado do Rio de Janeiro diminuiu 21,5% se comparada ao mesmo período do ano anterior. Esse tipo de homicídio se refere às ocasiões onde há a intenção de matar. Porém, dados da mesma pesquisa também apontam que o número de mortes praticadas por agentes do Estado, como a polícia militar, aumentou 16,2%, durante o mesmo intervalo de tempo. Foram 1.249 pessoas mortas.

O período analisado corresponde aos primeiros oito meses do mandato do atual governador do estado, Wilson Witzel (PSC), que transformou o momento de caos pelo qual a segurança pública passa em uma das principais plataformas para a sua candidatura ao cargo. A ONG Redes da Maré reuniu dados sobre a recorrência e os resultados das operações policiais nas 16 favelas que formam o Complexo da Maré. De janeiro à julho de 2019, o número de mortes registrados na região superaram em mais de 10% o número relacionado ao mesmo intervalo de tempo em 2018. Foram 27 pessoas mortas. 

Crianças com o uniforme da escola correm de tiros disparados por helicópteros da PMERJ.

Os resultados são bastante fiéis ao discurso constantemente proferido pelo governador: o de “guerra ao tráfico”, que relaciona o aumento da violência policial a uma “possível aniquilação do crime”. Tal raciocínio se inspira bastante no ideal americano de “guerra às drogas”, que ficou popular internacionalmente como um tipo de conduta exemplar para lidar com o crime.

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Nos Estados Unidos, o final da década de 1960 foi o momento em que o partido dos Panteras Negras e o movimento hippie estavam em seu auge. Também foi esse o período em que o republicano Richard Nixon foi eleito presidente da república, vendo esses grupos como seus principais inimigos. Em uma entrevista recentemente publicada na revista americana Harper’s, John Ehrlichman, um dos principais aconselhadores do então presidente dos EUA, afirmou que Nixon viu na associação desses indivíduos ao consumo de heroína e maconha a oportunidade perfeita para aprisioná-los e, se possível, erradicá-los. 

O ex-presidente americano Richard Nixon.

Dessa forma, o segundo presidente americano a ser vítima de um processo de impeachment fez um discurso em rede nacional onde declarou que “as drogas são o inimigo número 1 da nação”. E esse foi o grande início de tudo. Nixon discursou após entregar ao congresso americano um novo conjunto de leis que endureceu a punição ao consumo e venda de drogas ilícitas. Seus sucessores, os ex-presidentes Ronald Reagan, George H. W. Bush e Bill Clinton continuaram com o trabalho, incrementando a perseguição aos usuários e traficantes de drogas. Os próximos passos tomados foram:

  • penas mais severas para os usuários de crack, que poderiam pegar 5 anos de prisão caso fossem flagrados com apenas 5 gramas da droga;
  • bilhões de dólares em investimento para as forças-tarefas de vigilância e punição;
  • a lei dos “3 strikes”, que legalizou a prisão perpétua para os indivíduos que fossem presos por mais de duas vezes.

Tudo isso aconteceu entre as décadas de 1980 e 1990, período no qual o que ficou conhecido como a “epidemia do crack” penalizou, principalmente, as populações pobres dos Estados Unidos. A maior parte dos usuários da droga eram pessoas negras e pobres, de regiões periféricas em grande cidades. Um dos pontos altos dessa fase foi o ano de 1989, quando o então presidente George H. W. Bush tornou as “comunidades carentes” como principal alvo de incursões policiais para apreensões de indivíduos e drogas.

Da esq. para a dir.: os ex-presidentes Bill Clinton, George H. W. Bush, Ronald Reagan e Jimmy Carter, ao lado de suas esposas.

Uma reportagem do jornal Estadão aponta que entre 1985 e 1995, 900 mil pessoas foram presas nos Estados Unidos. O resultado de todo esse esforço antidrogas é a população carcerária de 2,1 milhões de pessoas existente por lá, a maior do mundo. De acordo com o Pew Research Center, desse total: 33% dos presos são negros, 30% são brancos e 23% são de origem latina. Já o levantamento Mapeando Violência Policial (Mapping Police Violence) aponta que, em 2017, ocorreram 1.164 mortes decorrentes de violência policia. Entre as vítimas, 25% eram pessoas negras, mesmo que estas representam apenas 13% do total da população americana. Mas os favoráveis a esse tipo de posicionamento do Estado destacam que a taxa de homicídios no país caiu pela metade de 1990 até 2010.

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Já no Brasil, foi em 2006 que o ex-presidente Lula (PT) sancionou a Lei de Drogas, que trata sobre a prevenção, repressão e os crimes relacionados ao uso de drogas. Porém, não especifica as quantidades que diferenciam o consumidor do traficante, para os casos de posse da droga. Deixando esta tarefa para os delegados e juízes de cada caso. Segundo reportagem do portal Agência Brasil, o índice de presos por tráfico de drogas em 2005 era de 14%. Em 2016, esse número saltou para 28%, ou 201.600 pessoas. A mais recente pesquisa feita pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) concluiu que existe um montante de 812.564 pessoas encarceradas no Brasil, a terceira maior população carcerária do mundo. E 41,5% desse total ainda não tem condenação alguma.

Baseado em dados mais antigos, o portal Nexo analisou o perfil dos presos brasileiros, concluindo que: 96,3% são homens, 67% são negros e 53% têm o ensino fundamental incompleto. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra em Domicílios (Pnad) de 2018, 55,8% da população brasileira se autodeclara negra. Ainda segundo a mesma pesquisa, 11,3 milhões de brasileiros com 15 anos ou mais são analfabetos. Já o Atlas da Violência 2019 atesta que a maior parte das vítimas de homicídio em 2017 eram homens (92%), negros (75,5%) e de baixa escolaridade (74,6%). Portanto, há um padrão bastante objetivo para se definir quem é o traficante e que é o usuário: homens, negros e com baixa escolaridade.

Manchete noticiando prisão de traficante que é filho de uma desembargadora.

Em 2016, a ONG Teto Brasil levantou informações sobre a etnia dos moradores de favelas em São Paulo e atestou que 70% deles se autodeclara como negros. Somado a isso, uma pesquisa do IBGE sobre o perfil dos moradores de favelas no Brasil mostra que somente 1,6% destes possui curso superior. Voltando ao Rio de Janeiro, parece existir um consenso claro sobre quem se beneficia com a atual política de segurança pública promovida pelo Estado. E, certamente, não são as favelas e/ou as periferias. Quem dirá seus moradores. Isso é a política de guerra às drogas.

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EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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