Pesquisar
Close this search box.
Pesquisar
Close this search box.

Cidade fantasia: os invisíveis somos nós

Foto: Reprodução / Cidade Invisível
Foto: Reprodução / Cidade Invisível

Ano passado estreou na Netflix uma série que dividiu opiniões por trazer foco a algumas figuras da espiritualidade e das cosmovisões indígenas. O grande problema da primeira temporada de Cidade Invisível foi a não-escuta. Desenvolveram uma temporada todinha falando sobre nossas cosmovisões que, para os não-indígenas, não passa de uma mera expressão folclórica. Não é.

Há quem diga que o folclore brasileiro bebe das águas das espiritualidades indígenas, mas a verdade é que nada disso é folclore. Nada disso é lenda. São símbolos de crenças que são desconhecidas. Mas quando a gente fala da diferença entre as duas temporadas, não estamos falando apenas da representatividade indígena. É de encher os olhos ver parentes, como Zahy Tenetehar e Kay Sara, em papeis tão fundamentais pro desenrolar da história, além da própria direção ter tido mudanças como a entrada necessária da diretora Graci Guarani.

Toda essa mudança importa e muito! O ponto que eu quero levantar nesse texto é a mudança da ambientação da série. A primeira temporada acontece no Rio de Janeiro. Já a segunda temporada acontece em Belém, no Pará. Ficou meio vago o motivo dessa mudança, mas tudo me leva a crer que essa mudança reforça alguns estereótipos bem endeusados na teledramaturgia brasileira que é usar a região Norte como o único lugar onde, atualmente, vivem povos indígenas.

A história poderia se desenvolver muito bem no Rio de Janeiro, afinal de contas uma das maiores aldeias urbanas da América Latina fica lá (Aldeia Marakanã). No Rio de Janeiro tem indígenas de diversos povos, com culturas diferentes, costumes, alimentação, comportamentos diferentes. Eu mesma morei no Rio de Janeiro por quase 2 anos e conheço muitos outros indígenas que ou nasceram lá ou escolheram o Rio de Janeiro pra se instalar na vida e a grande maioria reside nas favelas.

A Netflix tinha a faca e o queijo na mão pra transformar a segunda temporada numa quebra de estigmas e esterótipos, mas acredito que seja bastate cômodo pra ela enfrentar a mudança de ambiente pra reforçar esse comprometimento com as causas indígenas (tanto que em vários momentos parecia que eu estava assistindo Aruanas. A mesma região, os mesmos cenários, as mesmas problemáticas).

Com esse texto eu não tenho nenhum intuito de tentar diminuir a importância da representatividade que tivemos na segunda temporada. Meu objetivo é instigar o pensamento de pessoas não-indígenas mesmo. De levantar a reflexão de que nós indígenas estamos habitando o país inteiro, de norte a sul. Cada canto enfrentando suas próprias mazelas acometidas pela ganância de alguns poucos com poder.

O Rio de Janeiro inteiro foi construído sobre aldeias indígenas e ainda lá resistem os povos até hoje.

Deborah Martins, 28, indígena do povo pataxó. Graduada em Direito e graduanda em Gastronomia. Chef e criadora do Alecrim Baiano e ativista pelo Direito Humano à Alimentação Adequada e pela Soberania Alimentar dos Povos Indígenas e Colunista do projeto Vozes em Pauta do Voz das Comunidades

Compartilhe este post com seus amigos

Facebook
Twitter
LinkedIn
Telegram
WhatsApp

Veja também

EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

Contato:
[email protected]