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‘Não seremos interrompidas’, legado de Marielle Franco marca luta de mulheres negras na sociedade

Seguidoras de vereadora assassinada denunciam a violência política e o genocídio
Foto: Mídia NINJA

“O que percebemos é que, na nossa sociedade, as classificações sociais, raciais e sexuais fazem da mulher negra um objeto dos mais sérios estereótipos” (Lélia Gonzalez). Lélia Gonzalez, intelectual, filósofa e antropóloga negra, referência mundial nos debates de raça, gênero e classe, pontua o quanto o corpo da mulher negra é marcado por preconceitos. A junção de opressões e a relação entre elas caracterizam o que a sociologia chama de interseccionalidade. Ou seja, discriminações e preconceitos a que alguns indivíduos são submetidos devido a sua classe social, gênero, raça e orientação sexual. Sendo assim, mulheres negras faveladas seriam as mais subjugadas por carregarem um conjunto de categorias que historicamente sofrem discriminação.   

Marielle Franco, mulher, negra, bissexual e cria do Complexo de Favelas da Maré, era um corpo que trazia as marcas dessa interseccionalidade. A quinta vereadora mais votada do Rio de Janeiro, que, por diversas vezes, denunciou essas opressões, foi assassinada em 14 de março de 2018, no Estácio, zona central da cidade, junto com seu motorista Anderson Gomes. 

Vereadora Marielle Franco, na Maré, durante a campanha eleitoral de 2016
Foto: Bernardo Guerreiro

Há seis anos o mundo pergunta: Quem mandou matar Marielle? E por quê? Élcio Vieira e Ronnie Lessa, que confessaram participação no crime (o primeiro como motorista e o segundo como autor dos disparos) estão presos no sistema penitenciário federal, aguardando julgamento por júri popular. Em acordo de delação premiada, Lessa indicou Domingos Rio Brazão, conselheiro do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro, como mandante do crime. As investigações seguem em curso.

A morte de Marielle foi considerada um feminicídio político, por se tratar de uma tentativa de silenciamento de uma das poucas mulheres negras na política até então. Esse assassinato motivou o debate internacional sobre a violência de gênero na política. Há anos, mulheres têm a carreira pública atravessada por falas e posturas machistas que desqualificam a capacidade feminina, perseguem, agridem, assediam, ridicularizam e afetam a saúde mental daquelas que “ousam” ocupar cargos de poder.

Embora a Lei 14.192 estabeleça como violência política “toda ação, conduta ou omissão com a finalidade de impedir, obstaculizar ou restringir os direitos políticos da mulher”, a masculinização dos espaços de política institucional faz com que os homens não reconheçam como legítima a presença feminina. Dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) apontam que o voto feminino representa 53% do eleitorado. Ainda assim, apenas 17,7% dos eleitos para a Câmara dos Deputados, em 2022, eram mulheres.

Quando somamos ao gênero, como os marcadores de raça e classe, os números são ainda mais preocupantes. Em 2020, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), as mulheres negras representavam apenas 2% do Congresso Nacional. O Instituto Marielle Franco afirma que 98% das candidatas negras, nas eleições municipais de 2020, relataram terem sido vítimas de violência política.

“Quando entro nesta casa (Câmara Municipal do Rio), trago comigo os familiares de vítimas do Estado para o espaço da esfera legislativa. Levo comigo um conhecimento do combate ao racismo e o entendimento que, apesar dele, são as mulheres negras que impulsionam a mudança. Esta casa não está acostumada com nossos corpos pretos. Não querem nos ver em espaços de decisão, em espaços de poder”, disse Mônica Cunha, mãe de Rafael Cunha, vítima do Estado. Monica é vereadora pelo Psol, mesmo partido da Marielle, e Presidente da Comissão Especial de Combate ao Racismo.

Mônica Cunha foi entusiasmada por Marielle Franco a entrar na política. Ao fundo, a placa que carrega o nome dela.
Foto: Selma Souza / Voz das Comunidades

A fim de honrar a memória de Marielle Franco e promover a igualdade de direitos, em 2023, foi instituído o dia 14 de março como o Dia Nacional Marielle Franco de Enfrentamento da Violência Política de Gênero e Raça. No âmbito estadual, desde 2018, o Rio de Janeiro tem a data como o Dia de Luta Contra o Genocídio da Mulher Negra, estabelecendo que instituições públicas e privadas promovam debates e palestras a respeito do assassinato de mulheres negras.

Em 2022, do total de vítimas de feminicídio, 61,1% eram mulheres negras, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado em julho de 2023. No que diz respeito a outras formas de violência, a maior proporção de vítimas é representada por mulheres negras. A mesma pesquisa também aponta que elas somam 56,8% das vítimas de estupro no país. Já de acordo com o Sistema de Informações sobre Mortalidade, as mulheres negras têm 2,7 vezes mais risco de morte por causas externas do que as mulheres brancas.

Bia Onça, integrante da Casa das Pretas e uma das responsáveis pela 10º Caminhada das Mulheres Negras, acredita ser fundamental que essas mulheres atuem em rede para o enfrentamento das violências a que são submetidas. “É uma perspectiva ancestral o fato de sermos mulheres negras, sobretudo no Rio de Janeiro, onde há muitas desigualdades sociais, injustiças e exclusão. A atuação em rede faz com que essas mulheres se fortaleçam e se tornem sujeitas (no feminino mesmo) da ação e transformação mútua”, pontua Bia Onça.

Bia Onça é geógrafa e doutoranda em Geografia e movimentos sociais pela Universidade Federal Fluminense (UFF).

Essa é uma das propostas do Instituto Marielle Franco. A organização, sem fins lucrativos, criada pela família da Marielle, tem a missão de inspirar, conectar e potencializar mulheres negras e pessoas LGBTQIA+ periféricas a seguirem movendo as estruturas da sociedade por um mundo mais justo e igualitário. “O Instituto Marielle Franco (IMF) atua para que essas mulheres não sejam interrompidas em sua trajetória política e que possam continuar lutando pelos direitos das pessoas negras e faveladas”, define Luyara Franco, filha de Marielle Franco e coordenadora da equipe de memória da instituição.

O instituto busca defender a memória da minha mãe para que as futuras gerações sigam lembrando quem foi e o que ela representa”, diz Luyara
Foto: Jaqueline Souza

Além das ações promovidas a partir da promulgação das leis federal e estadual a respeito do Dia Marielle Franco, em março, o IMF exibirá o Festival Justiça por Marielle e Anderson. “O Festival Justiça por Marielle e Anderson faz parte da campanha Março por Marielle e Anderson, que é um mês inteiro com ações, em todo o mundo, voltadas para ampliar nossa luta por justiça e reverberar o legado e memória da minha mãe. Muitas dessas ações são construídas através da nossa Rede de Sementes, que é uma rede de contatos, afetos e troca de experiências, onde cultivamos laços com pessoas que querem participar de forma mais próxima das ações do Instituto”, explica Luyara Franco.

Após 6 anos dos assassinatos de Marielle e Anderson, o crime segue sem solução.
Foto: Nayane Silva

Serão várias apresentações artísticas apresentadas gratuitamente, na Praça Mauá, a partir das 17h, no dia 14 de março. Maiores informações através do site www.institutomariellefranco.org.

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Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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