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Birosca: bar, lanchonete ou mercearia?

Biroscas do CPX sustentam famílias há gerações e são modelo de negócio muito conhecido na favela
Biroscas são negócios de família muito conhecidos no Complexo do Alemão (Foto: Selma Souza / Voz das Comunidades)

Com certeza, você deve ter passado por uma birosca hoje. Ou talvez lembre de alguma birosquinha da sua infância onde você comprava bala ou ia buscar farinha a pedido de alguém. Muito comum na memória coletiva da favela, às vezes, se tem dúvida sobre o que de fato é uma birosca? É um bar, uma vendinha ou uma mercearia? 

Alguns moradores do Complexo do Alemão contaram pra gente que birosca é onde se vende de tudo um pouco. Cerveja, sabão em pó, biscoito e, até mesmo, xuxinha de cabelo são alguns dos itens que se pode encontrar neste empreendimento tão comum na favela.

Ana Carolina Freitas tem 34 anos e hoje toma conta de uma das biroscas mais famosas da Central, no Complexo do Alemão. O “Bar do Sininho” está há mais de 43 anos no comecinho do morro e apesar do nome, é reconhecido por todos da região como uma birosca. O empreendimento é figurinha carimbada na memória do local e guarda a história de uma família inteira.  

“Eu não era nem nascida quando eles tinham isso aqui… vendia de tudo! Minha avó ia pra Madureira, comprava xuxinha, essas coisas. Vendia cachaça, era cerveja, era cigarro, era tudo. Tinha prendedorzinho de cabelo. Ela (a avó) tinha o espacinho dela que pendurava as coisas dela… sabão em pó, tudo o que você podia imaginar”, relembra Carol a história dos avós.

Ana Carolina é neta de seu Sininho e toca a birosca do avô também como um salão
(Foto: Selma Souza / Voz das Comunidades)

Seu Sininho e sua esposa vieram de outros estados do Brasil e abriram a birosca para sustentar a família. Desde que começaram o negócio, o empreendimento foi a única fonte de renda do casal e foi com ele que conseguiram construir diversas casas no morro para alugar e também para os familiares. E o negócio dos avós de Ana ajuda a família até hoje. A avó faleceu recentemente e seu Sininho não mora mais no morro, mas a memória dos dois vive no novo negócio da neta.

“Eu não era nem nascida quando eles tinham isso aqui… vendia de tudo!”

Ana Carolina transformou parte da birosca numa estação de manicure: de um lado, ela faz unha; e no outro, vende comidas e doces para quem passa subindo ou descendo o morro. Apesar da mudança, a faixa azul e branca com a foto dos avós na entrada do estabelecimento relembra a todos a dedicação e garra da família.

As biroscas costumam ser um empreendimento que agregam e sustentam famílias inteiras. Assim como a família de Ana, Fábio Souza é dono de uma história peculiar. Com apenas 20 anos de idade, o jovem toca com seu pai a “Lan House do Fábio”. O estabelecimento existe há mais de 15 anos e tinha como ideia inicial ser apenas um local de divertimento de crianças e adolescentes. “A gente começou lá em cima, era só uma lan house… Meu pai quis agregar o serviço, porque a criança ficava muitas vezes uma, duas horas aqui, e tinha que parar pra ir pra casa almoçar ou ver algo que a mãe queria. Ai, a gente pensou: por que não agregar os dois?”

Fábio Souza e seu pai, Fábio Moisés, tocam juntos uma birosca/lan house e proporcionam lazer para filhos e pais
(Foto: Selma Souza / Voz das Comunidades)

E foi exatamente o que fizeram. De uma lan house, eles transformaram seu espaço numa mercearia/bar/ lanchonete… ou seja, numa birosca. Vendendo produtos de mercado, lanches e cerveja num único lugar, pai e filho atendem necessidades de toda família. Fábio conta: “A mãe passa por aqui e sabe que vende leite. A parte de comida, é justamente pra manter a criança aqui mais tempo. E a cerveja é pro pessoal mais velho; às vezes, até mesmo o pai da criança, a mãe da criança”.

“A gente começou lá em cima, era só uma lan house… Aí, a gente pensou: por que não agregar o serviço?”

E a ideia foi tão certeira que durante a pandemia foi isso que os ajudou a se manterem de portas abertas. Apesar da ausência de movimento na lan house (por conta do isolamento social), a parte das vendas de produtos os salvou.

Mas mesmo com a localização privilegiada do estabelecimento (no começo da subida da Central, no CPX), nem tudo são flores! A “Lan House do Fábio” não está mais nos seus momentos de ouro. Por conta do acesso mais facilitado a celulares e computadores, menos crianças e adolescentes buscam o espaço para jogar e se divertir. Os donos, no entanto, já pensam em novas formas de inovar o estabelecimento novamente.

Marcos Antonio (na frente na foto) frequenta a birosca do Bill há mais de 40 anos
(Foto: Selma Souza / Voz das Comunidades)

Outra birosca muito conhecida pelos moradores da Central, é a birosca do Bill. Localizada bem na entrada do morro, ela existe há mais de 40 anos e tem frequentadores mais que fiéis. 

Marcos Antonio tem 52 anos e conhece a birosca desde pequeno. “Desde pequeno, eu passo por aqui. Aqui sempre vendeu isso aí, mas também tinha outras coisas. Tinha carvão, gás, vendia linguiça, ki-suco”, diz o morador da Central.

Hoje, o estabelecimento funciona apenas como um bar, mas Leandro Rangel, atendente do local, conta que antigamente se vendiam também coisas como ki-suco, miojo e biscoitos. Contou ainda que a birosca foi o sustento da família do dono por toda sua vida, mas infelizmente, Bill faleceu há mais ou menos um ano.

A birosca do Bill, a lan house do Fábio e o bar do seu Sininho são apenas alguns dos muitos empreendimentos que existem na favela. A birosca é um modelo de negócio que representa a força e a versatilidade da favela de se reinventar e manter suas famílias.

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PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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