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Uso de carros por aplicativos aumenta nas favelas, mas moradores ainda reclamam do atendimento dos motoristas

Falta de acesso nas favelas causa transtornos e deixam moradores prejudicados

Historicamente, as favelas do Rio de Janeiro sofrem com problemas de locomoção através de transportes públicos. Um retrato disso é que, durante a pandemia, mais de 150 linhas de ônibus tiveram as frotas desaparecidas ou drasticamente reduzidas. Com a pandemia e as novas recomendações sanitárias, locais de aglomerações foram vistos como mais vulneráveis, o que levou os moradores das favelas a aumentarem em 57% a frequência de pedirem um transporte por aplicativo, segundo a pesquisa Como as periferias se reconectam com a cidade”, realizada no final de julho pela 99, empresa de tecnologia ligada à mobilidade urbana.

Entretanto, apesar da necessidade e uso aumentados, a realidade na hora das corridas não é maravilhosa. Moradores de favelas contam que encontram problemas nas viagens de ida e volta. Bruna Dias, moradora da Rocinha, conta que ao voltar de uma corrida do Centro para a sua comunidade, uma motorista ficou insatisfeita com o local de destino e ela teve que desembarcar na Gávea.

Não foi a primeira vez. Eu não sei quantas vezes isso já aconteceu, mas foram várias. Já entrei no carro e tive que descer várias vezes e sozinha, até de noite. Uma vez, na Barra, eu tentei pegar o Uber várias vezes para a Rocinha, mas estava tarde e eu precisava que ele subisse de verdade, nem que fosse pela Gávea. Eu mandava mensagem logo pra saber se eles subiriam e eles já diziam que não. Daí só vinham os mesmos motoristas. Eu fiquei sem ter o que fazer, segui com um que já tinha me avisado que não subiria e desci em São Conrado. Alguns são educados na hora de dizer não, mas outros são grosseiros“, afirma Bruna.

Bruna Dias

A ação de não enxergar as favelas como território integrado à cidade faz com que os moradores tenham que pegar outros meios de transportes mesmo após as corridas pelos aplicativos. Bruna conta também que pedir um carro de dentro da Rocinha também não é possível, já que o local aparece como “indisponível”.

Print da tela do aplicativo

Sentimento de direito negado

A Zona Oeste é a região que mais sofre com o problema de mobilidade urbana no Rio de Janeiro. A estudante Juliana Braga, de 23 anos, mora na Vila Vintém e encontra dificuldade tanto no transporte público como no privado. Ela afirma que a justificativa de problemas na segurança pública não é suficiente, já que há perigo e riscos em todas as partes da cidade.

É um misto de indignação e até uma humilhação. Você sente que o seu direito de ir e vir está sendo negado, sabe? O nosso acesso ao transporte público por aqui já é extremamente limitado, mal organizado. E aí o que deveria ser uma opção de solução acaba virando também outra dor de cabeça. O direito é negado por todos os lados. Acho que isso acontece, principalmente, por conta de uma estigmatização que rola em relação à favela. Hoje no rio em qualquer lugar se está exposto a isso (falta de segurança pública). Mesmo assim você não vê motorista negando viagem a ninguém num espaço como a Tijuca, por exemplo, mesmo sendo um lugar que tem um índice altíssimo de assaltos, roubo de carro, etc“, afirma Juliana.

Imagem
Juliana Braga

Com isso, Juliana conta que a salvação para conseguir solicitar uma viagem por aplicativo nas favelas da Zona Oeste são os carros que passam pela Avenida Brasil. Já o trajeto da volta, segundo ela, é sempre pior, principalmente à noite.

Acontece com certa frequência de muitos aceitarem e cancelarem, e ter que perder um tempo esperando algum de fato aceitar e buscar. Na ida o problema costuma ser achar carro. Passa das 21hs fica muito difícil, parece que os motoristas não rodam muito por aqui”, finaliza.

Posicionamento das empresas

A pesquisa da 99 também observou que os carros por aplicativos correspondem a 38% do meio de locomoção usado pelas pessoas que moram nas favelas e periferias. Sobre os motivos que levam aos meios de deslocamento privado, 35% respondeu que busca comodidade, 30% querem evitar aglomerações e 24% é para ter mais segurança física.

Foi feito o contato com as empresas Uber e 99 para entender o posicionamento das mesmas sobre as questões dos moradores. A Uber afirmou que “defende o respeito à diversidade e reafirma o seu compromisso de promover o respeito, igualdade e inclusão para todas as pessoas que utilizam o nosso app“. Já a empresa 99 afirmou que “mapeia as áreas de risco e envia aos motoristas parceiros notificações sobre corridas que passam por essas zonas“.

Nota oficial da Uber:

Nossa missão é conectar pessoas a um transporte acessível e confiável, ao toque de um botão. Para aumentar a segurança de motoristas parceiros e usuários, nosso aplicativo pode impedir solicitações de viagens de áreas com desafios de segurança pública em alguns dias e horários específicos.

Vale ressaltar, no entanto, que a empresa tem uma política de tolerância zero a qualquer forma de discriminação em viagens pelo aplicativo e se orgulha em oferecer opções de mobilidade eficientes e acessíveis para todos. A Uber defende o respeito à diversidade e reafirma o seu compromisso de promover o respeito, igualdade e inclusão para todas as pessoas que utilizam o nosso app. 

O aplicativo permite que solicitações de viagens sejam canceladas por motoristas parceiros quando não se sentirem seguros. No entanto, a Uber tem equipes e tecnologias próprias que constantemente analisam viagens para identificar violações e, caso sejam comprovadas, banir os envolvidos. Altas taxas de cancelamentos injustificados configuram uma violação aos Termos e Condições de adesão dos motoristas parceiros à Uber e podem levar até ao encerramento da parceria. 

A empresa está sempre avaliando e estudando novas medidas que possam aprimorar a segurança.

No ano passado, a Central Única das Favelas (CUFA) em parceria com a Uber, anunciou o projeto Uber Move, em Heliópolis, com o objetivo de garantir maior e melhor acesso da população local à plataforma de mobilidade, estimular os moradores a aproveitarem as oportunidades de trabalho que o aplicativo oferece e, assim, desenvolver o empreendedorismo local e ao mesmo tempo melhorar  a mobilidade da comunidade.

A parceria resultou em dois projetos piloto: o primeiro, diretamente ligado a mobilidade, foi criar 6 pontos virtuais e 1 ponto fixo de embarque (que conta com wifi) em locais de fácil acesso e que ficam a, no máximo, 5 minutos de caminhada de qualquer local da comunidade.

A segunda iniciativa foi a realização de uma feira de empreendedorismo na comunidade. Na ocasião, a Uber levou parceiros como instituições financeiras, locadoras de veículos empreendedores e startups para ajudar os moradores a desenvolverem o seu lado empreendedor. 

Além das oportunidades para motoristas, como aluguel de veículos, entre outras facilidades para quem quer começar a dirigir com a Uber, a feira foi realizada para estimular as oportunidades oferecidas também pelo Uber Eats, que tem um caráter grande de acessibilidade, por dar a possibilidade de gerar renda com uma bicicleta ou até mesmo a pé. 

Nota oficial da Uber

Nota oficial da 99:

A 99 informa que tem na sua estratégia contribuir com a melhoria da mobilidade urbana, democratizando o acesso das pessoas às cidades. Isso significa que investimentos continuamente na oferta de soluções e produtos que permitam às pessoas de diferentes localidades realizar uma corrida via aplicativo com mesma qualidade e segurança. As regiões da Rocinha e Vila Vintém, no Rio de Janeiro, fazem parte da operação da plataforma junto com mais 1600 cidades no país.

Vale destacar que o app é uma plataforma que conecta motoristas parceiros e passageiros. Os motoristas podem escolher seus horários, se aceitam ou não as viagens oferecidas e se atuam em outras plataformas de transporte por aplicativo. O que a empresa faz é disponibilizar facilidades de pagamento e incentivos para buscar garantir que haja o serviço nos locais com maior demanda de passageiros.

Priorizando a segurança das viagens, a 99 mapeia as áreas de risco e envia aos motoristas parceiros notificações sobre corridas que passam por essas zonas. O levantamento é feito utilizando estatísticas internas do aplicativo e dados externos das Secretarias de Segurança Pública. É importante ressaltar que estas zonas de risco são dinâmicas e não fixas.

Com a informação da área de risco, o motorista opta por aceitar ou não determinada corrida sem penalização. Acreditamos que é importante dar essa liberdade aos condutores, para que eles tomem a melhor decisão baseados nos próprios contextos e experiências. Essa solução foi pensada para equilibrar a necessidade dos motoristas parceiros por segurança, mas sem excluir da plataforma lugares com alto índice de violência. 

Nota oficial da 99

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EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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