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OPINIÃO – “Indígena e lésbica? Como assim?”

Foto: arquivo pessoal
Foto: arquivo pessoal

O título pode parecer irônico à primeira vista, mas já me deparei com olhares confusos e perguntas sinceras quando declarei ser lésbica e indígena. Essas reações destacam como a visão sobre as pessoas indígenas muitas vezes é estereotipada. Nossa individualidade raramente é reconhecida por aqueles que não compartilham nossa herança cultural.

Minha jornada de autodescoberta e autenticidade incluiu algumas “saídas do armário”. A primeira ocorreu aos 14 anos, quando decidi revelar minha orientação sexual à minha família. Tive a sorte de nascer em uma família que valoriza o amor e o respeito acima de tudo. Eles me apoiaram, me acolheram e me ensinaram a importância de lutar por aquilo em que acreditamos. No entanto, também me mostraram que é crucial escolher nossas batalhas com sabedoria.

Minha segunda “saída do armário” aconteceu em 2018, quando decidi iniciar minha jornada de reconexão com minhas raízes indígenas. Para muitos indígenas que crescem em contextos urbanos, rurais ou em qualquer lugar fora das aldeias, há um momento em que sentimos a atração de nossas origens. Mas a decisão de abraçá-las ou ignorá-las é uma escolha pessoal. Sempre soube que minha família era indígena, parte do povo Pataxó. Conhecia nossas tradições e culturas, especialmente as espirituais e alimentares. No entanto, admito que por muito tempo senti vergonha. Demorou um pouco, mas finalmente percebi que não fazia sentido me orgulhar em quem sou sem abraçar integralmente o que me define.

Minha terceira “saída do armário” aos 27 anos foi quando recebi o diagnóstico de autismo. Foi como um renascimento, uma epifania que mudou minha perspectiva sobre mim mesma e minha vida. Finalmente compreendi que não havia nada de errado comigo, que minha mente simplesmente funcionava de maneira única, um pouco diferente das demais pessoas. E foi nessa diferença que encontrei minha singularidade e minha beleza.

Aceitar minha orientação sexual, abraçar minhas raízes indígenas e entender meu autismo não foi apenas um ato de coragem, mas também de amor próprio. Cada revelação trouxe consigo um processo de autodescoberta e aceitação que me fortaleceu.

Ser indígena e lésbica não é uma contradição, é uma parte fundamental da minha identidade. Cada aspecto dessas facetas me moldou e me permitiu crescer como pessoa. Sou uma mulher indígena com uma orientação sexual que faz parte de quem sou. E isso não deveria causar estranheza, mas sim celebrar a diversidade.

Hoje, tenho orgulho de quem sou, da minha família que me apoiou em cada passo dessa jornada e de todas as pessoas que encontrei ao longo do caminho. Minhas múltiplas identidades não me tornam menos “indígena” ou menos “lésbica”. Elas me tornam mais completa. E, mais importante ainda, elas me tornam humana, como todos nós somos, buscando amor, aceitação e compreensão em um mundo que, espero, está aprendendo a acolher a todos nós em nossa diversidade.

Deborah Martins, 29, indígena do povo pataxó. Graduada em Direito e graduanda em Gastronomia. Chef e criadora do Alecrim Baiano e ativista pelo Direito Humano à Alimentação Adequada e pela Soberania Alimentar dos Povos Indígenas e Colunista do projeto Vozes em Pauta do Voz das Comunidades

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PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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