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Teleférico do Alemão: obras atrasam e reforma deve aumentar em R$ 7,6 milhões

Com entrega prevista para agosto de 2023, Governo aumenta prazo para dezembro de 2023
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Foto: Marlon Soares / Acervo Voz das Comunidades

Texto: Thaís Cavalcante | Fotos: Marlon Soares | Matéria especial de capa da edição de 18 anos do Voz das Comunidades

Os moradores do Complexo do Alemão vivem há quase 7 anos sem o teleférico. Um serviço que já foi transporte, espaço cultural, oportunidade turística e fonte de renda local. A espera pela volta é longa e as promessas também. O Governo do Estado pretende aumentar o prazo da entrega pela terceira vez. A reforma das seis estações do teleférico, prevista para o mês de agosto, deve ser entregue em dezembro de 2023. O que muda não é só a data de entrega, mas também o valor da obra. A reforma das estações custou até agora 17 milhões, mas a empresa contratada pediu aumento de R$ 7,6 milhões. Até o fechamento da reportagem os acordos estavam em andamento.

Quem viveu, sabe: as estações podiam ser visitadas em apenas 15 minutos, passando de Bonsucesso até Palmeiras, Adeus, Baiana, Alemão e Itararé. Elas ofereciam  serviços essenciais para os moradores do Complexo. Podemos citar alguns: Clínica da Família, Agência dos Correios, Agência da Previdência Social, CRAS (Centro de Referência da Assistência Social) e Biblioteca Parque. Hoje, moradores do morro sofrem com o abandono.

Iauria de Santana tem a estação do Morro do Adeus no seu quintal de casa. Ela lembra que, quando o teleférico funcionava, era seu meio de transporte. Mas, com o fechamento, ficou mais difícil circular pela favela e pela cidade. Recentemente, fez uma cirurgia no joelho e gasta quase uma hora para descer o morro a pé. “Quando dá para economizar, a gente guarda vinte reais para voltar do mercado de carro, porque as bolsas são pesadas.”

Mais que transporte, geração de renda

A mobilidade faz falta e a cultura também. A ocupação artística nas estações marcou a vida de crianças e uma das responsáveis foi Mariluce Mariá, artista plástica e fundadora do Favela Art. Ela lembra que, em 2012, a mobilização nos projetos de turismo e a visitação guiada movimentava a renda dela e outros moradores. Além do turismo, se interessou por pintura e, passou a dar oficinas de arte para os pequenos, fazendo disso o seu propósito. Em média, 100 crianças pintavam quadros e telas, que eram vendidos aos visitantes.

As atividades artísticas eram feitas na Biblioteca Parque da estação Palmeiras e em outros pontos turísticos da cidade. “A arte é um remédio pra alma, uma forma da gente não se oprimir diante da realidade. Já que não tinha mercado para todo mundo, eu tentei buscar na mente das crianças formas de enxergarem o futuro”, conta. Em 2015, a violência no entorno das estações aumentou ao ponto das atividades precisarem ser canceladas.

“Não é só um equipamento turístico ou transporte de massa. É um transporte de oportunidades. Geram-se recursos para melhorar a busca pela educação, cultura e outros direitos”

Mariluce Mariá, artista plástica e fundadora do Projeto Favela Art.

Ela recorda os benefícios que os moradores tinham. “O serviço de transporte ajudava a diminuir a despesa familiar, facilitava a circulação pela cidade, promovia a cultura e gerava renda. Era utilidade pública.” Atualmente, o Projeto de Mariá oferece atividades de arteterapia para crianças vulneráveis de diferentes regiões do Alemão, sem espaço fixo.

Memórias do ponto que já foi turístico

Os 5 anos de teleférico também fizeram a diferença para Jéssica Souto, diretora executiva da organização Movimentos. Ela foi uma das guias comunitárias que estimulou a prática de atividades culturais entre 2010 e 2012 nas estações. Fez um curso de turismo local e passou a contar a história do Complexo nas visitas guiadas com parceiros. O príncipe Harry foi um dos visitantes. Uma mobilização extra também acontecia entre a população, o que facilitou visitas fora das cabines e pelas ruas da favela.

O teleférico não era só o trabalho de Jéssica, mas também seu meio de transporte. Sem o transporte, ela levava 50 minutos de kombi ou a pé. Com ele, só 10 minutos. “Fez muita falta quando acabou porque eu morava no topo. Com o teleférico, a gente tinha a possibilidade de gastar com uma condução apenas. Começou de graça e depois custava só um real, tarifa social para os moradores.”

“Tenho a sensação de que foi um projeto pensado para acabar”

Jéssica Souto, diretora executiva da organização Movimentos.

Ela conta que a população foi se acostumando e passou a construir sua relação de trabalho a partir dessa realidade. “Quando isso acaba, você coloca uma pedra no caminho de milhares de pessoas porque a renda que as pessoas gastam com transporte é um absurdo.” Por outro lado, ela admite que o projeto precisa ser mais democrático. “A gente tem que ter a consciência de que o teleférico ajudou na mobilidade, mas não para todos da mesma forma. Quem morava na parte baixa, por exemplo, não tinha vantagem no transporte ou nas atividades culturais, pois estavam concentradas apenas naquele espaço.”

Teleférico, uma promessa eleitoreira

A ideia da obra milionária foi inspirada no transporte da Colômbia. O Complexo do Alemão foi o primeiro lugar do Brasil a receber o equipamento, em 2011. A mudança entre os governos, e os escândalos de corrupção, fizeram com que os moradores criassem e rompessem expectativas desde sua inauguração até seu fechamento. O Jornal Voz das Comunidades acompanha a história do teleférico desde a sua inauguração. Realizando coberturas no portal de notícias, jornal impresso e em eventos, assim como cobrando as autoridades por suas responsabilidades e promessas até hoje.

Ainda em 2010, o ex-governador Pezão garantiu que seria o ano do lançamento, mas o serviço só foi inaugurado em 2011, na gestão do ex-governador Sérgio Cabral. A população aproveitou apenas 5 anos de funcionamento, vendo o fim das atividades em 2016. Por coincidência, apenas dois meses após os Jogos Olímpicos e a Jornada Mundial da Juventude, grandes eventos realizados no Rio de Janeiro.

O fechamento que era temporário se tornou permanente. Em setembro, completará 7 anos sem o teleférico. Moradores da região acreditam que a falta de repasse de verbas, a violência e o aumento de operações policiais nas favelas do Complexo podem ser alguns dos motivos. Falta compromisso com a população de toda a cidade e de todo o país. Em 2019, o ex-governador Wilson Witzel prometeu a retomada das obras do teleférico nos seus primeiros dias de governo, mas não cumpriu.
Na corrida pela reeleição em 2022, o governador Cláudio Castro assumiu o compromisso de retomar as obras em seu Plano de Governo, dentro do Pacto RJ. A promessa aumentou a esperança dos moradores de que finalmente o serviço voltaria a funcionar. Não à toa, Castro venceu em todas as zonas eleitorais do Complexo do Alemão, onde estão os bairros da Penha, Bonsucesso e Inhaúma.

O que dizem os responsáveis?

Segundo a Secretaria de Estado de Infraestrutura e Cidades (SEIC), a obra está 89% pronta. Foram feitas a recuperação das instalações hidráulicas, sanitárias, sistemas elétricos, de iluminação e controle, instalações mecânicas, ar-condicionado, coberturas, esquadrias e ferragens, pintura, revestimentos e acabamentos. A equipe do Voz das Comunidades não teve permissão para visitar o interior das estações.

A empresa que realiza a reforma, PETROPUMP Serviços, não retornou nossas mensagens. Já a empresa francesa Poma, que foi responsável pela instalação no início, também faz parte da reativação. Em seu site, ela apresenta seus teleféricos de ‘sucesso’ ao redor do mundo e o Teleférico do Alemão não está nessa lista.

Assim que as obras forem entregues, os moradores terão que aguardar a Secretaria de Transportes decidir quem vai operar o Teleférico. Para o futuro, Mariá tem o mesmo sentimento de muitos: “A minha expectativa é que aconteça logo.”

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PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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