Pesquisar
Close this search box.
Pesquisar
Close this search box.

Violência do Estado fragiliza a saúde mental de moradores de favela

A ausência de direitos e presença de violências impactam diretamente a vida da população das comunidades
Foto: Igor Albuquerque / Voz das Comunidades

Estamos no mês de prevenção do suicídio, o Setembro Amarelo. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS),  por ano, oitocentas mil pessoas tiram a própria vida. No Brasil, o número chega a quatorze mil, ou seja, 38 suicídios por dia.

O “Relatório Saúde na Linha de Tiro: Impactos da guerra às drogas no acesso dos serviços de saúde no Rio de Janeiro – Drogas: quanto custa proibir”, publicado recentemente pelo Centro de Estudos e Cidadania (CESEC), mostra que moradores de áreas mais expostas à violência armada, entre estas o Vidigal, têm mais chances de desenvolver depressão, insônia e ansiedade. Porém, o tema não é novidade. Lá em 2002, a OMS publicou um outro relatório relacionando as diversas violências e suas consequências à saúde pública. Entre os impactos, estão: ansiedade, depressão, transtorno de estresse pós-traumático e comportamento suicida; doenças relacionadas à saúde mental. 

Grazielle Nogueira, psicóloga e uma das fundadoras do coletivo Favela Terapia, voltado para  saúde mental de indivíduos periféricos, alerta sobre a necessidade de termos políticas públicas que promovam saúde mental especificamente voltada à população favelada; considerando não apenas a violência armada, mas todas aquelas produzidas pelas ausências do Estado. Insegurança alimentar, empregabilidade, longos deslocamentos, trabalho precarizado, moradia, são também outros motivadores. 

“A urgência de se pensar em saúde mental é também questionar o que a saúde pública está ofertando para as pessoas faveladas. Tudo que afeta a nossa saúde mental vem de violências, ausências. Se temos um Estado que não supre as necessidades de sobrevivência, entendemos que as pessoas daquele território estão com a saúde mental fragilizada. Ao violentar essas pessoas, o que o Estado faz é um genocídio subjetivo; acabam não só com a matéria física do sujeito, mas com a psicológica também. Isso é muito perigoso e ardiloso, não se vê a violência psicológica”, diz Grazielle.

A família Sabino é um exemplo de como essas diversas formas de violências promovidas pelo Estado afetam a saúde mental. Em janeiro de 2020, Marcos Guimarães da Silva, 51 anos, foi um dos quatro mortos pela a polícia, na localidade da Pedrinha, Vidigal. Na ocasião, ele voltava do trabalho.

“A gente estava vivendo o luto, veio a COVID-19. A gente não podia sair e ainda tinha a incerteza de como ia ficar a nossa vida. A maior parte do dinheiro que entrava era do meu pai. Eu comecei a ficar tensa, ansiosa, a ter crises. Eu começo a chorar e não consigo parar. Não posso ouvir tiros, alguém batendo na porta… Tive uma crise forte em janeiro. Cheguei a me despedir das pessoas, queria ir para longe pra não morrer na frente do meu filho”

Joyce Sabino, 28 anos, filha de Marcos

Além de Joyce,  outro dos seis filhos apresentou crises que evidenciaram a saúde mental desestabilizada. O rapaz chegou a ser internado duas vezes no Instituto Philippe Pinel. Adriana Sabino, viúva de Marcos, após o ocorrido, adotou exercícios físicos como terapia, ainda assim, tem problemas para dormir.

“O Estado matou, criminalizou meu pai e não teve a decência de me garantir tratamento psicológico. Estou até agora na fila do SISREG. Fui diagnosticada com crise de ansiedade e depressão. Acordo assustada. Tomo remédios. A minha maior vontade de sair do Vidigal é porque toda vez que passo pela Pedrinha, não tem como não lembrar do que aconteceu. Moramos em uma área de risco, aqui já foi demarcado. A gente continua aqui porque não tem onde morar. É apreensão por conta de tiroteio e por medo da casa desabar”, desabafou Joyce.

Nívia Raposo, mãe e voz de Rodrigo Tavares Raposo (assassinado pela polícia em 2015), integrante do Movimento de Mães e Familiares de Vítimas do Estado e coordenadora do Movimento Parem de Nos Matar, considera fundamental que familiares de vítimas recebam apoio de grupos como Napave e RAAVE, que auxiliam de forma jurídica e psicológica. 

“A gente acaba sendo revitimizadas. Não vivemos o luto. Logo após o ato, a gente tem que se preocupar em proteger a memória dos nossos, porque a primeira coisa que o Estado faz é tentar criminalizar a vítima. E isso é outra forma de violação”, afirmou Nívea.

A população favelada é a mais fragilizada psicologicamente por consequência de violações de direitos. Por isso, são necessárias medidas socialmente engajadas e politicamente comprometidas capazes de minimizar as violências que comprometem a saúde mental desses indivíduos. 

“Não há como lidar com todas as dores do território. O Estado precisa fazer o que é da sua responsabilidade. A saúde mental vai tratar, a longo prazo, com as consequências dessas violências. Mas, não adianta ter um recurso de saúde mental e colocar o sujeito em constante revitimização, por conta das violências que o adoecem”, argumenta Grazielle. 

Serviços de Atendimento à Saúde Mental:

  • NAPAVE – Núcleo de Atenção Psicossocial a Afetados pela Violência do Estado;
  • RAAVE – Rede de Atenção a Pessoas Afetadas pela Violência de Estado);
  • Favela Terapia –  R. Amaro Rangel – Jacarezinho, Rio de Janeiro – RJ, 20972-116. Telefone: (21) 98805-0184;
  • CRAS/Vidigal – Av. Niemeyer, 776 – Rocinha, Rio de Janeiro – RJ, 22450-221. Telefone: (21) 3111-1082;
  • CRAS/Complexo do Alemão  – Estr. de Itararé, 222 – Ramos, Rio de Janeiro – RJ, 21061-240. Telefone: (21) 3886-3195;

Compartilhe este post com seus amigos

Facebook
Twitter
LinkedIn
Telegram
WhatsApp

Veja também

EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

Contato:
[email protected]