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Jovens da Rocinha criam pesquisa para entender situação de moradores em meio a pandemia

O projeto não possui nenhuma ajuda externa, seja financeira ou de estrutura e é totalmente independente
Rocinha - Laerte Breno-16
Rocinha - Laerte Breno-16

Foto: Laerte Breno / Voz das Comunidades

A falta de produção de dados sobre as condições das favelas por parte das diversas esferas do governo sempre foi um problema. Uma vez que não se sabe quantos moradores de fato existem em uma determinada comunidade, é inviável produzir políticas públicas que realmente atendam e auxiliem essas pessoas, por exemplo. Diante da pandemia de covid-19, essa deficiência se intensificou e ficou mais aparente. As autoridades não sabem quem está doente, quem faz parte do grupo de risco, quem se recuperou e quem morreu. Dessa necessidade, novamente, nascem painéis criados e mantidos por organizações, grupos, movimentos, indivíduos e mobilizadores sociais, todos vindos da própria favela. Esse é o caso do Painel Informativo Opina Rocinha, que traz informações sobre a situação em que os moradores da favela se encontram em meio ao surto de coronavírus. 

O projeto foi formulado por quatro jovens da Rocinha, Zona Sul do Rio, que são entusiastas da tecnologia e da computação. Isaias Trajano, é formado em Análise de Sistemas; Gustavo Sabino, formado em Sistemas de Informação; Leandro Dantas, é estudante de Engenharia Naval e Arthur Dantas, que é estudante de Engenharia Civil. Esses são os rapazes que formam o grupo de criadores e administradores da pesquisa.

Isaías Trajano

“O projeto nasceu da vontade de ajudar a comunidade onde moramos da forma que podemos e do nosso entusiasmo por Ciência de Dados. Desde elaborar um questionário objetivo e claro, olhar analítico para gerar dados relevantes, até à edição do layout do painel, pensamos juntos. Esse projeto foi feito totalmente de forma conjunta. Não temos papéis específicos dentro do projeto, atuamos juntos nas diferentes fases do painel”, conta Isaias.

Arthur Dantas
Gustavo Sabino

Os dados são obtidos por meio de um questionário que é aplicado de forma on-line. O painel mostra informações importantes como qual a principal fonte de informação dos moradores e qual doença crônica mais afeta a comunidade. Além disso, apresenta um gráfico que mostra quais localidades da favela têm menos acesso a produtos de higiene. Isaias relata que tudo foi feito para ser o mais acessível possível para todos.

Leandro Dantas

“Nós criamos uma pesquisa por formulário (via web), que pode ser respondida por computador ou smartphone, com a finalidade de obter os dados sobre a situação dos moradores da Rocinha nessa fase da pandemia. Perguntamos sobre os temas mais preocupantes como acesso à renda, acesso ao auxílio emergencial, principais fontes de informação, principais grupos de risco, sintomas mais comuns, acesso a máscaras e a produtos de higiene pessoal, problemas com abastecimento de água e também perguntamos se a pessoa necessitaria de alguma ajuda psicológica. O painel é de fácil leitura e qualquer pessoa pode abrir e acompanhar a evolução dos dados”.

Os dados são adquiridos via formulário web, que por sua vez são divulgados pelas redes sociais. A pesquisa é direcionada a uma pessoa por residência pois prioridade é apurar informações de vulnerabilidade das localidades e de cada família e, a partir disso, calcular o número aproximado de moradores afetados. “Nosso ideia é mapear as necessidades e peculiaridades de cada região da comunidade, logicamente toda a comunidade precisa apoio, mas queremos identificar um perfil aproximado de urgência por região e tratar de forma direcionada. Por exemplo, moradores de determinada localidade tem alta queixa de falta de água associada a altos números de um determinado grupo de risco”.

Nuvem de palavras

A nuvem de palavras é outro resultado da pesquisa que chama a atenção. Nela, é possível ver os sentimentos que mais atingem os moradores da Rocinha nesse período. “A nuvem de palavras é a comunidade dizendo como ela se sente. Pedimos ao respondente para descrever a situação de pandemia em uma palavra, o tamanho da palavra na nuvem está de acordo com a frequência que ela se repete. Boa parte da nuvem é composta de descrições associadas ao medo, tristeza, desespero entre outras. Porém, mesmo em meio a tantas palavras que remetem a aflição, é possível encontrar palavras motivantes como fé, aprendizagem e empatia”, relata Isaias.

Todos esses dados estão disponíveis e abertos para o público. “Seguimos uma cultura de ‘dados abertos’. Todas essas informações podem ser utilizadas por ONG’s, estudantes ou pessoas físicas. Para fazerem pesquisas com dados amostrais ou correlacionar com outros dados. O painel é atualizado oito vezes durante o dia. Anexado ao painel exibimos as informações de infectados, óbitos e recuperados com dados do Instituto Pereira Passos, que é a fonte de informação oficial do estado, embora os números sejam diferentes dos apresentados pelas clínicas da família da Rocinha”.

O projeto não possui nenhuma ajuda externa, seja financeira ou de estrutura e é totalmente independente. “A pesquisa foi formulada de forma a não haver custos. Usamos Não tivemos gastos financeiros pois fizemos um projeto pra não ter custo.

Até o fechamento desta matéria, 244 pessoas já haviam respondido o questionário, o que representa o mesmo número de residências analisadas e retrata a realidade de 794 moradores. “Queremos ter uma ideia macro mesmo, do sentimento e necessidades gerais da favela. No momento, nossa missão é fazer com que mais pessoas participem, alguns têm resistência em fornecer dados, ainda mais a uma iniciativa independente. Mas o nosso trabalho é sério e estamos empenhados em fazer com a pesquisa chegue ao maior número de moradores e que esse painel represente a comunidade”.

Para os moradores da Rocinha que quiserem responder o questionário basta clicar aqui. Lembrando que a pesquisa é direcionada apenas para moradores da favela. Já o painel com os resultados, pode ser visto por todos. Para acessá-lo clique aqui.

Moradores aprovam iniciativa

Os criadores do Painel Informativo Opina Rocinha tem recebido um retorno positivo do trabalho que desenvolveram. Os moradores incentivam e apoiam a causa e o projeto. É o caso do estudante universitário, Jorge Oliveira, que participou da pesquisa no último dia 26 de maio. “Eu achei a iniciativa bastante interessante. É um trabalho muito importante, mostra a importância da favela, com foco em nós mesmos. Feito de dentro para dentro”.

Jorge ressalta ainda a força da comunicação e defende que esse tipo de ação faz com que as coisas aconteçam “A comunicação é poderosa, precisamos ser comunicativos. Tornar a informação acessível, fazer com que ela, de fato, chegue nas pessoas. Por isso esses projetos são fundamentais, porque todos conseguem participar e entender. O painel é muito claro e fácil de entender, assim como o questionário.

O universitário completa dizendo que projetos como o Painel Informativo chegam nos lugares que o governo não chega, preenchendo lacunas e lembra a palavra que colocou como definidora do período de pandemia na Rocinha: catastrófico. “Nossos governantes fizeram com que essa situação fosse a pior possível. Em todas as esferas de poder, as pessoas que deviam melhorar tudo administraram a situação de uma forma péssima. A galera preta e pobre da favela tem sofrido muito, por isso escolhi essa palavra e por isso precisamos de iniciativas como essa”.

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PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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