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Rock in Rio: Misturando rock com elementos de religiões de matriz africana, Gangrena Gasosa conquista Espaço Favela

Única banda de ‘Saravá Metal’ existente na cena musical, Gangrena estreia dia 2 de setembro
Foto: Selma Souza / Voz das Comunidades
Foto: Selma Souza / Voz das Comunidades

“Quem disse que o Zé Pelintra não gosta de rock?” Essa fala da Gê, uma das integrantes da banda Gangrena Gasosa, traduz o espírito do grupo, que mistura o heavy metal com elementos de religiões de matriz africana, como a umbanda e o candomblé. Até onde se sabe, Gangrena Gasosa é a única banda de ‘Saravá Metal’ existente na cena musical. 

“O Heavy metal sempre teve essa coisa de ocultismo e isso só traduz pra nossa linguagem. Nós cantamos em português, que no heavy metal, normalmente a banda, mesmo sendo do Brasil, se canta em inglês, para buscar um mercado internacional”, explica Angelo Arede, um dos vocalistas da banda.

Foto Selma Souza Voz das Comunidades

Angelo é o integrante mais antigo do Gangrena. Já era fã da banda, que teve origem em 1990. Ele entrou em 94 e já viveu as diversas fases do grupo. Assim, viu o Gangrena Gasosa encarar o trabalho com mais seriedade em relação às religiões afro ao longo da trajetória. O músico já tinha essa noção de fazer algo diferente, conforme ele mesmo disse, “sem esculacho”. Pois é filho de mãe de santo. “Durante um bom tempo isso foi uma questão delicada para a banda, porque era um assunto tratado de qualquer jeito. Era uma coisa mais do humor, mas ninguém se ligava em respeitar, em ter aquela preocupação com a religião”, afirma Angelo. Atualmente a intenção é completamente diferente, apesar de ainda ter a ironia como uma das características de algumas composições. “A linguagem do Exu, da rasura, da bagunça, do brincando falando sério, é essa linguagem que é mais interessante pra nós”, completa. 

O vocalista entrou no grupo porque conhecia pessoas do seu entorno. Todos do subúrbio. “Na época, eu morava em Irajá e tinha um pessoal da Zona Oeste, da Vila da Penha”, diz. Hoje, os integrantes ainda são de diversas partes do Rio. Estácio, Manguinhos, Bangu, Catete, Pedra de Guaratiba e Santa Teresa. E cada um dos seis músicos representam uma entidade da umbanda: o baixista Diego Padilha é o Exu Tranca Rua, Davi Sterminiun, vocalista, é o Omulu, Angelo, também vocalista, é o Zé Pelintra, o guitarrista Minoru Murakami é Exu Caveira, a percussionista Ge Vasconcelos é Maria Navalha e o baterista Alex Porto é Exu Tiriri. 

Fot: Selma Souza / Voz daas Comunidades

Angelo ainda revela que a troca de integrantes durante o tempo muito se deu por causa de ainda não conseguir viver totalmente da música. Todos os componentes têm empregos fora do ramo musical, o que dificulta ter uma disponibilidade total. “Por ser uma banda periférica, você vê que ter bandas de rock, nos anos 80 e 90, era um hobby muito caro. Pro suburbano era muito difícil você conseguir todo um equipamento pra você tocar, pra bater de frente com grandes nomes”. Mas, para ele, essa troca acabou sendo importante para a manutenção da banda e para manter essa efervescência do Exu.

Racismo religioso e cancelamento

O mais novo integrante, Davi, entrou na banda em 2021. Davi é ogã praticante. Toca nos terreiros de umbanda e se diz satisfeito em unir a realidade religiosa com a parte musical. “Eu to sempre firme na questão de tá tocando, de tá louvando os orixás, os guias. É bom trazer essa minha realidade com a banda”. Mais satisfeito ainda estará o músico com a presença da mãe, que é pastora, no Rock In Rio. 

O preconceito, segundo o guitarrista Murakami, apesar de ainda existir, tem diminuído ao longo do tempo. “De uns anos pra cá, mudou muito. A gente até sofria, já teve show que descemos do palco e as pessoas vinham questionar. De uns anos pra cá isso foi decaindo. Isso tem a ver com a seriedade que a gente entrega o material e a seriedade que o público vê, né?”

Foto: Selma Souza / Voz das Comunidades

No entanto, em era de cancelamento, o grupo não escapou de críticas nas redes sociais. Ao gravar um clipe no carnaval de 2020, uma pessoa fotografou e publicou no Facebook alegando que eles estavam usando fantasia e zombando das religiões afro. O fãs explicaram para o dono da postagem que, logo após, apagou a crítica das redes. Angelo, em tom de brincadeira, disse que era frequente o uso da frase “Silêncio, o jovem está descobrindo o Gangrena Gasosa”.

E a banda já chamou atenção até do pastor Silas Malafaia, que escreveu uma matéria em um site gospel falando sobre o lançamento do DVD do grupo. O que, de acordo com a banda, era uma sátira, o pastor levou a sério. “Acho engraçado que quando acontece essas coisas, nunca vem somente uma crítica, mas vem uma maldição junto”, afirma Ge, percussionista do Gangrena.

Convite para o Rock in Rio

Os músicos revelam que, quando estavam indo para Florianópolis, receberam a ligação do convite para o Rock in Rio. “A gente tava indo pra Florianópolis, para uma mini turnê. Aí ligaram, o sinal ruim, fraquinho. Ai eu me perguntei: ‘é pegadinha?’ E a gente na turnê, sem acreditar, sem sinal, no meio da estrada, um olhando pra cara do outro, atônitos”, explica Angelo, rindo.

A certeza só veio depois da confirmação da assessoria, mas o segredo teve de ser mantido durante um tempo para fãs, família e amigos. “A gente não podia falar muito sobre aquilo, porque não podia vazar. E pra segurar isso? E pra segurar essa notícia? A gente ficou um mês sem falar, só ficou entre nós”, complementou Angelo.

Ainda de acordo com o vocalista, ele achava que tocar no Rock In Rio nunca fosse acontecer, pois há um boato de que o idealizador do evento, Roberto Medina, seja supersticioso. “Ah, cara, nunca vão chamar o Gangrena, com a gente vestido assim. Acabou que, do nada, veio o convite!.”

Não foi do nada. Após 32 anos de estrada, o Gangrena Gasosa estará no espaço Favela, no dia 2 de setembro. A banda sobe ao palco às 19h45. E que todos os orixás e entidades estejam com eles.  

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PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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